Laranja murcha

Reprodução/www

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Chegou através do @guiadoscuriosos esta informação sobre Orânia, distrito de Hopetown, Cabo Norte.

Tinha ouvido falar e não sabia praticamente mais que isso – que é um reduto colonizador encravado no território da África do Sul pós-Apartheid (!).

Da mesma forma que a Lei Áurea, a luta de Mandela, Tutu, Biko, e tantos outros, não é “ampla e irrestrita”, mas são favelas, guetos, violência, preconceitos que persistem e mostram que as mudanças não foram totalizadas.

Em texto curto e repleto de… curiosidades, Marcelo Duarte dá prosseguimento à cobertura no formato do ‘Guia dos Curiosos’, que neste caso é na seção “Blog do Curioso”. Lado B do país-sede da Copa deste ano, na linguagem sempre dinâmica do seu trabalho para… os curiosos. De boa curiosidade! E quem a tiver, pode pegar o início da cobertura na terra dos Bafana Bafana, em 8 de junho. Terá direito de cornetar menos as vuvuzelas, que fazem parte da cultura esportiva daquele país, os hábitos, as cores, inclusive a dos povos.

A começar pela bandeira da nação, ops, do distrito, dá para ver que a manga levantada não é só trabalho, difícil não associar à superioridade da pele, também deixa no ar o receio pela iminência de poderes e nova expansão do preconceito no extremo sul africano. Espera-se que não, mas apesar de presente em doses mínimas, em comparação com o passado recente, o discurso do racismo é de fato “mesozóico”, engessado em teorias desmioladamente fantásticas. (Ricardo S.)

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Orânia, a terra dos africâneres

por Marcelo Duarte

Orânia é um distrito da cidade de Hopetown, na província do Cabo Norte. Fica a 700 quilômetros de Johannesburgo. Ele tem 20 e poucas ruas e sua população gira em torno de 700 pessoas. O que Orânia tem de especial? A placa na estrada dá a resposta: “Bem-vindo à terra dos africâneres”. Africâneres são descendentes dos colonizadores holandeses que vieram para a África do Sul no século 17 e representam hoje apenas 6% dos 50 milhões de habitantes do país. Os africâneres são também os mentores do “apartheid”, regime de segregação racial que dominou o país por quase 40 anos. Por isso, nenhum negro vive em Orânia. O distrito foi criado em 1991 por um grupo de famílias, que comprou fazendas na região às margens do rio Orange (daí o nome que adotaram). Os únicos negros que vi por lá estavam fazendo compras ou abastecendo o carro no supermercado e no posto de gasolina que ficam na estrada que corta o local.

Quem me recebeu para a visita à Orânia foi o ex-médico John Strydom. Ele vive lá há quatro anos e tem uma fazenda de nozes, principal atividade agrícola do lugar. “Tecnicamente não impedimos de os negros morarem aqui, mas acho que eles não se sentiriam bem, como eu  também não me sentiria bem no Soweto”, disse na entrevista. Strydom tem um frase na ponta da língua para falar de Nelson Mandela: “Era o homem certo na hora certa”. Mas Orânia tem um museu dedicado a Hendrick Verwoerd, o primeiro-ministro que mandou prender Mandela, com direito a um gigantesco busto.

Strydom diz não há racismo em Orânia, criada apenas para preservar a cultura africâner, cada vez menos ensinada nas escolas. Nas escolas da África do Sul, a primeira língua é o inglês. As duas escolas de  Orânia ensinam tudo em africâner.

A FM Orânia é a única rádio que pode ser ouvida ali. A programação ao vivo acontece das 17h às 22h, e depois é repetida ao longo do dia. O próprio Strydom tem um programa de 15 minutos aos domingos, que fala sobre falecimentos. A rádio não fala quase nada sobre Copa do Mundo. O esporte preferido dos africâneres é o rúgbi. Na África do Sul, o futebol sempre foi considerado o esporte dos negros. Os jovens de Orânia estão acompanhando as partidas do Mundial pela TV ou pela internet. Mas riem quando se referem ao futebol apresentado pelos Bafana-Bafana comparado aos Springbooks, a seleção de rúgbi campeão mundial de 1995 e que foi tema do filme “Invictus”.

Orânia tem uma bandeira – o garoto arregaçando as mangas significa que eles vão prosperar com seu próprio trabalho. Há também uma moeda que circula por lá, chamada “ora”. Ela não é oficial e tem o mesmo valor do rand sul-africano. Tem também um escritório de turismo, que vende uma série de produtos. Durante toda a visita, não vi uma única bandeira sul-africana por lá.

Publicado em 22.06.2010

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