Para o retrospecto que a tv aberta apresenta no Brasil, e não somente por aqui, a única novidade é que uma emissora hegemônica perdeu o cabre$to de alguns eventos internacionais, e a outra, com o poder da Fé e aspirante ao posto de líder do rating nacional, engatinha na ‘arte’ de arrebanhar fiéis, ops, telespectadores.
O que fazer com a programação, bem, o autor do texto sintetiza e o ‘Observatório da Imprensa’ assina embaixo ao disponibilizá-lo aos seus leitores. O Lado D também!
Nos postos desse pódio, ganha medalha quem detém as antenas. (Ricardo S.)
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Paródia de Guerra Fria nos Jogos
por Mauricio Stycer
[Reproduzido da Folha de S.Paulo, 5/8/2012; intertítulos do OI]
Na história dos Jogos Olímpicos, os boicotes de 1980 (Moscou) e 1984 (Los Angeles) são sempre lembrados como momentos baixos em que o esporte perdeu a batalha contra a política. Três décadas depois, estes tristes episódios da Guerra Fria ganham uma versão canhestra no Brasil, reinterpretados pelas suas duas principais redes de TV.
Dona dos direitos de transmissão dos Jogos de Londres, a Record trata o evento como o mais importante na história do Brasil desde a Independência. Já a Globo, que tentou e não conseguiu adquirir estes direitos, dá a impressão de que a Olimpíada é um acontecimento menor, uma espécie de Jogos do Interior.
Ambas as posturas irritam e, por diferentes motivos, prejudicam o espectador. Só são compreensíveis no contexto da disputa econômica e política que as duas emissoras travam.
Talentos e recursos
Líder de mercado, a Globo sempre teve muito mais facilidade que as concorrentes para adquirir direitos, com exclusividade, no hoje bilionário mercado de transmissão de eventos esportivos. A perda desta Olimpíada expõe um nervo.
Em 2011, o diretor-geral da Rede Globo, Octavio Florisbal, revelou ao UOL detalhes sobre a negociação perdida. Contou que a emissora ofereceu um valor “entre US$ 25 milhões e US$ 30 milhões”, o dobro do que havia pago para transmitir a Olimpíada de Pequim, em 2008.
Segundo Florisbal, a oferta vencedora, da Record, foi o dobro da feita pela Globo. “Nós vivemos de audiência e publicidade”, disse Florisbal, tentando justificar porque não cobriu a oferta vencedora. “Se passar daqui, vai dar prejuízo.”
A Record nunca questionou os valores citados pela Globo. Também não discute que parte de sua receita não vem de publicidade, mas da venda de horários para a Igreja Universal, cujo líder, Edir Macedo, é também proprietário da emissora.
Sem os direitos, a Globo tem sérias restrições para tratar dos Jogos. É obrigada a sempre mencionar o nome da concorrente quando mostra imagens de competições e não pode exibir mais do que poucos minutos por dia.
O jornalismo da Globo só fala de disputas que já ocorreram. Nunca informa o que ainda vai acontecer. A equipe de futebol vence uma partida, mas o espectador do noticiário da emissora jamais ouve qual e quando será o próximo compromisso do time.
Para a Record, os Jogos funcionam como um showroom. Todos os talentos e recursos da casa foram transferidos para Londres. A grade de programação foi totalmente alterada.
Liderança esporádica
No esforço de manter a Olimpíada na tela, a emissora peca pelo excesso. Preenche os espaços vazios com ginástica, adestramento, canoagem ou o que for mais atraente visualmente, mesmo que não sejam competições relevantes para brasileiros.
O resultado é bem mais profissional do que o visto em Guadalajara, no Pan, em 2011. O espectador pode estar cansado dos exageros, mas não dá para dizer, como há um ano, que esteja sendo lesado.
O Ibope tem registrado momentos esporádicos de liderança da Record, mas mostra que ela não consegue elevar muito as suas médias tradicionais, além de perder, em alguns horários, não só para a Globo, mas também para o SBT.
Globo e Record têm, enfim, motivos para rir uma da outra nestes Jogos. O público, não.
Publicado em 10.08.2012