Pelo rádio, pela tv, pela internet, o narrador e o comentarista, em tempos de computação apurada, poderiam quase sempre ser substituídos por gravações estilo atendimento automático via telefone – para o rádio -, infográficos na tela do computador ou caracteres bem bonitos na televisão.
A única perda seria deles, narradores e comentaristas, que na maioria esmagadora agem como descreve João Ubaldo neste material repassado pelo Observatório da Imprensa: falam, falam, falam, o jogo é um detalhe.
Para quem está em campo há algumas copas na condição de ouvinte/telespectador, é estranha a mudança, pois além do estatistiquês, a afirmação e constante repetição de proximidades é proporcional ao corte de cabeças. Num passe de… bola, que bem poderia ser de mágica, um figurão boleiro sai de “é muito meu amigo, um cara sensacional, um dos melhores do mundo” para a sarjeta esportiva, e se não der entrevista, na próxima irá para a sarjeta moral também. Ou pelo menos os portadores dos microfones acham…
Com comissões técnicas a ousadia é possivelmente maior, segundo a “Lei da Imprensa” (não confundir com a extinta Lei de Imprensa), os técnicos têm que abrir os treinos – rachão não vale -, os dentes e em seu local de trabalho ver cabeças balançando – em desaprovação, óbvio, a qualquer resposta sisuda do “professor”. Por mais que atestem que seja “uma posição pública o cargo de técnico de uma Seleção”, o gesto de intromissão no trabalho (e na vida) do próximo é moeda valorizada dentro e fora das quatro linhas. Além desse “estar certo ou errado” não levar a lugar nenhum, a cobertura jornalística insiste na tensão pré-fabricada, de editoriais umbilicais, e não importa que o pessoal e o profissional (será que é?) sigam para o ralo.
João Ubaldo anotou o lado zen, menos disparos e mais estatísticas e masturbação ego-esportivo-comunicacional. Outros textos foram divulgados sobre as tretas midiáticas do Mundial e alguns virão para o Lado D. A mais recente, a mais recente (isso, repetindo!) com o Dunga evidenciou que o contorcionismo jornalístico no esporte também vem perdendo a “credibilidade”, principalmente depois de 2006, onde alguns boleiros e repórteres faturaram às custas das expectativas do brasileiro… Este que, mesmo o futebol sendo só um jogo, utiliza a brincadeira quadrianual como moedas de 1 centavo de alegria, e na Alemanha todo mundo era próximo, como constatou Ribeiro numa hipotética transmissão na África do Sul 2010, trocou afagos por lá e o social não existiu.
Racionalmente – se isso fosse comum nos eventos esportivos e suas paixões e paixõe$ -, a imprensa deveria pisar em ovos, respeitar as funções e procurar o seu lugar, que é reportar bem e opinar menos ou com consideração à pessoa que está do outro lado. Em recentes discussões no município de São Paulo, como o horário das 22h dos jogos televisionados, que a população sai dos estádios sem direito a transporte público ou sequer à explicação de por que motivo não podem ser mais cedo, a ingenuidade e o ópio estão perdendo espaço com o povo, vide estádios vazios, violência, ingressos caros, opiniões emitidas em redes “sociais” e demais lugares de livre expressão.
Editoriaizinhos com carinha de mau não fazem mais tantas cócegas assim. Desde o Brizola. A lição, no entanto, não foi aprendida pelos editorialistas. Ah, o$ intere$$e$… (Ricardo S.)
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Cobertura moderna
por João Ubaldo Ribeiro
[Reproduzido de O Estado de S.Paulo/O Globo – 20.6.2010]
– Esse que entrou agora aí é o Güterwagen, que joga no Strappaziert de Colônia, não é isso mesmo? – Isso mesmo, é a sexta participação dele num jogo dessa seleção alemã. A primeira foi num amistoso em Munique, em 15 de maio de 2008, quando ele entrou em campo para substituir Trockenbagger, que saiu contundido exatamente aos 23 minutos do segundo tempo.
E a anterior a esta foi na última partida das eliminatórias, quando ele ficou no banco. Foi a 19ª vez em que ele ficou no banco e, curiosamente, sempre sentado do lado direito do técnico, exatamente como está agora.
– Perfeito. Mas parece que ele não está sozinho nessa mania, não tem um outro jogador que faz a mesma coisa? – Você está lembrando o zagueirão Plusqueparfait, dos Camarões.
– Isso mesmo, o Plusqueparfait, o popularíssimo Pupu! Eu conheço muito os pais do Pupu, estive lá com eles, em minha última visita à aprazível Yaoundé, capital da República dos Camarões. O Plusqueparfait naturalmente mora na França, onde joga no Bêtise de Toulouse, mas seus pais, d. Muana e s. Buano, ainda moram lá em Yaoundé, naquela vida simples a que estão acostumados. Não creio que eles estejam me assistindo agora, mas, de qualquer forma, quero enviar um abraço especial para d. Muana, carinhosamente chamada de Muanette pelos seus familiares. Um beijo para a d. Muanette aqui de nossa equipe, o esporte é assim mesmo, o futebol é assim mesmo, aproxima as pessoas e os povos. Epa! Enquanto eu estava distraído aqui, o Wagenspinner irrompeu pela grande área adentro e mandou uma bomba que o goleirão espalmou de susto! Eu acho que essa ele espalmou de susto, não foi, não?
– É o que parece. Essa bola saiu a 126 quilômetros por hora, quer dizer, um pontapezinho respeitável.
– É verdade, essa foi apenas a terceira bola de mais de 125 quilômetros disparada do lado esquerdo da grande área, no primeiro tempo de um jogo entre seleções de continentes diferentes, este ano!
– Também com aquele pezão, o Wagenspinner… Olha só o tamanho, o pé dele parece uma prancha de surfe.
– É o maior número de chuteira da Copa, 48, bico largo, e assim mesmo feita sob medida para ele. O Wagenspinner superou o Schlepper, também da seleção alemã, que até a Copa passada era o recordista, calçando 47. Hoje o recorde do Schlepper já foi igualado por Nicomakowsky, da Rússia, e Zambetovic, da Sérvia. E o recorde absoluto do chuteirão agora é indiscutivelmente do Wagenspinner.
– Que não gostou, porque o árbitro já havia invalidado o lance anterior ao chute dele, marcando impedimento do seu companheiro Wildeber. Para mim, não estava, eu acho que o Sakonakara dava condição ao Wildeber, bem ali do lado direito. Vamos rever aqui.
– Marcação perfeita. No instante do lançamento, o Wildeber estava quatro centímetros à frente do Sakonakara, em clara posição de impedimento. Acertou o árbitro, mais uma vez.
– É, realmente, quatro centímetros, dá pra ver aqui sem a menor sombra de dúvida. A arbitragem tem tido um padrão muito bom, nesta Copa, não tem?
– De modo geral, sim. Nesse caso mesmo, trata-se de um trio grego de muita tarimba. Os auxiliares, Oipopoulos Saidopoulos e Papapoulos Catapoulos, estão em sua primeira Copa, mas são muito experientes, cada um com mais de quinze anos na Liga Grega. E o árbitro principal, Seforpênaltis Eudoulos, está em sua segunda Copa. Esse é um árbitro com grande história pessoal, neto do lendário Mandoulous Prochuveirous, que fez escola em toda a Europa balcânica, apitando pela Liga Macedônia. Seu neto pode não ser igual a ele, até porque são outros tempos, mas é um árbitro muito bom. E tem um senso de colocação também muito bom, você vê que ele está presente em todos os lances, mas não corre muito, desloca-se sempre na medida do necessário. Veja aqui, só correu até agora um total de 0,9 quilômetro, o que é muito pouco, quando se sabe que, nesta Copa, a média de distância percorrida pelos árbitros está bem acima de dois quilômetros e acho que quem cravou três quilômetros no bolão das distâncias percorridas pelos árbitros vai se dar bem, apesar da contenção aqui do sr. Eudoulos.
– É verdade, eu também tenho essa opinião. E quanto ao futebol que está sendo jogado no momento? Por enquanto, a posse de bola está bem equilibrada, com 51 por cento para os alemães e 49 por cento para os japoneses. Um instante, mudou agora! Ah, sim, a última verificação dá 52 por cento para alemães e 48 por cento para os japoneses, alterou-se o panorama!
– É, pode ser até empolgante, mas não creio que venha a se refletir no resultado da partida. Eu acho que o problema enfrentado pelas duas equipes, talvez um pouco mais pela japonesa, é uma questão de atitude.
– Que é isso, cara, a questão da atitude era na Copa passada, nesta é a qualidade.
– Tem razão, distração minha. Qualidade, claro. É óbvio que a seleção da Alemanha, até pela sua tradição futebolística, tem mais qualidade do que a japonesa. Mas…
– Termina o primeiro tempo! Não vá embora, porque no intervalo teremos a execução do Concerto Número Um para Vuvuzela e Orquestra, com o famoso solista Tispandongo Uzuvido, a Copa é uma festa!
{ Observatório da Imprensa }
Publicado em 23.06.2010