Me beija, me bate e me joga no chão!

20-04-2016e

Os comentários de Motta Lima para o ‘Direto da Redação’ chegaram na semana seguinte à final do Futebol Americano. Aqui na pasta ”Rascunho” desde lá, enquanto o servilismo vigente tornava obsoleto o caso prático de “O apagão moral da grande imprensa”.

É sintonizar ou ler qualquer grande empresa de comunicação – entenda-se proteger o investimento sob o argumento da exclusividade dos direitos de transmissão – para não ficar ausente a chance de uma crítica ferrenha à la “complexo de vira-latas”.

Em nível continental, se um gramado na Libertadores apresenta irregularidade, prontamente, o ranço de pilhéria aos países hermanos – exceção aos argentinos, que motivam até a “troca de nacionalidade” nos potreros e salões de cabeleireiros de parte do Brasil.

O outro amargo, a própria Copa Libertadores e a justificativa previsível: “Na Champions é outro nível, é outro mundo”.

Falando em sintonia, a do rádio, mais um caso dos boquirrotos que só diminuem o passo adiante da região, latino-americana ou nacional.

Na última rodada da Fase de Grupos da Copa do Nordeste Menos Piauí e  Maranhão 2013, o dial virtual encontrava-se estacionado numa AM de Salvador (BA). A partida era no interior de Sergipe.

Com a falta de energia para alimentar os refletores, comentaristas e narrador “da cidade grande”, entre alguns desmerecimentos aos locais do agreste, ao Estado, e portanto, ao Nordeste, inocularam preconceitos velados pelas ondas virtuais.

“O negócio é o Bahia abrir logo quatro, cinco gols no primeiro tempo e fazer a sua parte!”, dizia um destemido comentarista, que conclui com o tucano “Com todo respeito ao Itabaiana, né esse o nome? Mas o Bahia tem que fazer o máximo de gols logo!” Mal assimilava a pérola radiofônica e outro polia: ”Ih, faltou energia! Me disseram que é normal faltar energia nesse estádio, nos jogos noturnos sempre acontece esse problema!”, cumpria, achava, com o furor necessário para um repórter!!!

Passada a lapidação decorrente da ausência de eletricidade, um agradinho ao anfitrião, ninguém é de ferro: “O interessante, viu, é que a torcida local comparece, mas o mais interessante é que vem com a camisa do time! Está vendo que não é todo o Nordeste que vai para um jogo de clube local com camisa dos times de Rio-São Paulo?”, refletira o jornalista, dando moedinha de 1 centavo para a torcida.

Intervenção. De notícia quentíssima, jornalismo real.

Repórter pede a palavra e interrompe o debate dos demais filósofos das quatro linhas: “Conversei com um funcionário do estádio e aqui não há gerador de eletricidade, hein?”, outra voz da sabedoria ecoa e manda o clássico “Só no Brasil mesmo, um estádio sem gerador, perto de uma Copa do Mundo! Que vergonha, Meu Deus do Céu!”.

Lastimável, pois esqueceram que a Fonte Nova, anos atrás, foi interditada por desabamento de arquibancada.

Lembrete: o duelo entre os tricolores sergipano e baiano terminou em zero a zero. Tsc, tsc. (Ricardo S.)

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O apagão moral da grande imprensa

por Rodolpho Motta Lima

Já mencionei aqui uma frase que acompanhava os brasileiros na década de 60, proferida por Juracy Magalhães, político baiano, ao assumir o posto de embaixador junto aos Estados Unidos: “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”. Ela foi dita poucos meses antes do golpe militar que instaurou a ditadura entre nós – fruto de um acerto entre gorilas de plantão e os homens da CIA – e quase vinte anos depois de um outro baiano, o então senador Otávio Mangabeira, quando da vinda ao Brasil do general americano Eisenhower, ter-se ajoelhado contrito, beijando, como bom colonizado, as mãos daquele que seria depois Presidente da República nos EUA.

Essa postura de submissão, um desejo não revelado de, quem sabe, trocar todas as estrelas de nossa bandeira por uma única estrela na bandeira estadunidense, revela-se com frequência quase doentia na exaltação permanente que nossas elites fazem das virtudes dos americanos, passando, não raro, por cima de cenários nada meritórios, como, por exemplo, os que cercam a violência interna e externa típica de muitos setores daquele país, ou os que povoam a ganância especulativa de seus meios financeiros, gerando catástrofes globalizadas que nem mesmo as esperanças depositadas em Obama estão conseguindo fazer retroceder.

Nada a discutir contra o destino que os norte-americanos pretendem para o seu próprio país, nada mesmo a comentar sobre a alienação que comanda as mentes e corações do cidadão comum da América. Falo do cidadão comum porque, é claro, há muita vida inteligente naquele país, há os que ocupam praças em protesto, os que questionam preconceitos e discriminações históricas, há uma produção artística de confronto aos falsos valores moralistas e ideológicos que pululam por lá. Mas tudo a argumentar contra esse posicionamento vira-lata de brasileiros que atribuem a eles e a seu sistema todas as virtudes, sempre contrapostas ao nossos “defeitos crônicos”, impossíveis de superar, e sempre com críticas aos que ousam dizer, aqui e ali, que “o rei está nu”.

Mas isso tudo vem a propósito de um fato recente que a grande mídia praticamente omitiu, mas que as redes sociais não deixaram passar em branco… Ou melhor, não deixaram passar no escuro. Falo do apagão que acorreu por ocasião do Super Bowl que encerrou o campeonato de futebol americano da NFL, nos Estados Unidos. O Super Bowl é o maior dos eventos produzidos nos EUA, tido e havido como inigualável como show, organização, competência, que, na visão de alguns, só os americanos possuem, ou, no mínimo, possuem mais do que os outros. Pois bem: um apagão de mais de 30 minutos interrompeu o espetáculo, diante da incredulidade dos milhares de pessoas presentes no estádio e dos incontáveis milhões de espectadores na tevê. E como a mídia manipuladora que domina os nossos meios de informação tratou desse assunto? Longe da virulência com que cuida de episódios desse mesmo tipo no âmbito doméstico, com duas ou três linhas desfocadas, e nada mais…

No Globoesporte.com, aparece um minicomunicado sobre o jogo com a manchete: “Eleito o MVP do Super Bowl, Joe Flacco é presenteado com carrão”. No desenvolvimento dessa “notícia”, o resultado do jogo, e nada mais. Nenhuma menção ao apagão. No Jornal Nacional do dia seguinte, em matéria de cerca de dois minutos de louvação à grandiosidade do evento, uma única frase sobre o desligar das luzes para afirmar que, apesar do ocorrido, o “brilho da festa” não fora atingido. Isso em alguns segundos apenas, bem menos que o tempo dispensado na mesma matéria ao consumo de antiácidos, em consequência do jogo… No Globo, o colunista Ancelmo Gois, diante do episódio, pede calma ao pessoal, reconhecendo, agora, que os miniapagões, mesmo os nossos, não merecem realce. E Patrícia Kogut, embora com menção ligeiramente crítica ao ocorrido, não deixa de afirmar, porém, que analistas disseram que “isso deve até aumentar a audiência, já que incendiou as redes sociais atraindo curiosos”.

Esse tipo de jornalismo é mesmo assim: quando interessa faz uma limonada deliciosa do mesmo limão que considera estragado em outras circunstâncias… Não que o fato em si tenha significado importante – não tem nenhum, exatamente como os que às vezes acontecem aqui -, mas é interessante verificar o valor simbólico dessa postura alienada, quando comparamos o estardalhaço que os abutres da comunicação costumam fazer diante de situações similares em nosso país, chegando ao cúmulo, por baixa motivação política, de comparar esses fatos ao verdadeiro “apagão” que tomou de assalto os lares brasileiros no governo FHC. Isso para não falar das insinuações sobre como será possível ousarmos sediar aqui eventos esportivos planetários que tendem a “envergonhar o país diante do mundo”. Sou contra a Copa do Mundo no Brasil, mas nunca por essas razões pessimistas ou derrotistas, e sim pelo que propicia de aproveitamento por parte daqueles que sempre se colocam dispostos a negócios escusos.

Felizmente, uma parcela ponderável de brasileiros anda buscando a informação (e a formação) em outros meios que não o da grande imprensa. E percebendo que a felicidade do nosso povo não passa pela Avenida das Américas, com seu “Down Town”, seu “New York Center” (e sua estátua da liberdade), seu comércio e seus condomínios repletos de palavras da língua inglesa. Passa, sim, pela construção de um país capaz de encontrar seu próprio destino, livre de pressões e de alienações.

Publicado em 04.03.2013

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