Publicado há uns quatro, cinco dias no ‘Observatório da Imprensa’, o texto esperou esse tempinho para chegar ao acervo do Lado D e aconteceu que uma das fontes – os dois autores do texto a seguir – se foi, agora, só o que está impresso, ou no caso de digitado para ser lançado póstumo. Um abraço ao professor Valério Brittos!
A inquietação com o que escreveram, e que seria a cereja do bolo é o tema da relação TVs e clubes de futebol.
Bom mesmo seria se as relações fossem isonômicas, considerando as propriedades que cada lado tem, os times com o patrimônio das suas histórias e torcidas, e as empresas de comunicação, também com a trajetória e tecnologias que levam a programação para o público.
Embora as agremiações futebolísticas sejam empregadoras de funcionários administrativos e jogadores, diga-se que no analisado por Brittos e Gomes, em relação à grande mídia faz as vezes de “proletária”. E como tal, passível de cruzar os braços e, no mínimo, horizontalizar a negociação. Bons ou ruins, eles nasceram independentes um do outro, porém, em crescente ca$amento ao longo dos tempos.
Distinto, “O que seria do futebol sem a televisão?” junta o quebra-cabeça histórico-econômico da submissão, ao menos em nível brasileiro, das quatro linhas à telinha. Ley de Medios de países como Equador e Argentina, por exemplo, mostra-se como reação ao processo de privatização do esporte através das antenas e satélites, que resiste, mas é um primeiro caminho… reativo.
Do jeito que estão as engrenagens, fica como cantam os Paralamas: “A esperança não vem do ar nem das antenas de TV”. (Ricardo S.)
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O que seria do futebol sem a televisão?
por Valério Cruz Brittos e Anderson David Gomes dos Santos
Em meio a discussões sobre o quanto o futebol pode ter perdido os elementos de paixão característicos, ou seja, “desprezando” os torcedores através do aumento da característica mercantil no jogo, com uma espécie de “elitização” nas arquibancadas, a pergunta que fica sempre é: por que os clubes não abandonam isso e tomam conta das suas ações, tornando-se independentes das ordens da televisão, que paga os direitos de imagem das partidas, por exemplo?
Primeiro, é necessário reparar que não é tão simples assim. Até mesmo porque não se trata de algo momentâneo, mas constitui todo um processo histórico que fez com que o esporte estivesse incluso numa espécie de “complexo econômico-cultural-esportivo-midiático”.
A mercantilização adentrou outros campos sociais com mais força a partir da década de 1970, refletindo um momento de liberalização econômica que vai atingir também o setor comunicacional em todo o mundo – por mais que no Brasil a comunicação, de forma geral, já fosse liberal desde o berço. Além disso, é o período de estabilização da indústria cultural, com a televisão como principal meio de comunicação, como elemento fundamental para publicizar mercadorias e propagar ideias, passando a infocomunicação a fazer parte da estrutura que conforma a sociedade capitalista, como o comprova o capital financeiro.
Fim de barreiras de mercado
Também é nesta década que, no âmbito das transmissões esportivas, há a primeira transmissão a cores de uma Copa do Mundo de futebol para países das Américas e da Europa: em 1970, no México. João Havelange é eleito presidente da Federação Internacional de Futebol Associado (Fifa) em 1974 e se propõe a expandir o futebol, enquanto símbolo do nacionalismo, para outros continentes, casos de África, Ásia e Oceania, e como gerador de outras mercadorias, com parcerias de patrocínios que chegam a ponto de ser, atualmente, do setor econômico (material esportivo, refrigerante, cartão de crédito etc.).
No caso do Brasil, no final da década o Conselho Nacional de Desportos, hoje extinto, passa a permitir a publicidade nos uniformes dos clubes brasileiros, que passam a incluir alguma marca neles apenas a partir de 1984, com a ducha Corona na camisa do Sport Club Corinthians Paulista – estratégia para ter recursos para manter o meio-campo Sócrates no Brasil.
A partir da década de 1990 há um boom, reflexo da confirmação das políticas neoliberais como guias de boa parte do mundo pós-União Soviética e queda do Muro de Berlim. O fim de barreiras de mercado fez com que a produção de mercadorias fosse descentralizada, inclusive no que tange aos bens culturais produzidos pela indústria cultural, em busca de menores custos de produção, além da multiplicação de ofertas por parte de empresas dos mais diferentes setores econômicos e locais do globo.
O boom dos anos 2000
Neste contexto, a transmissão televisiva foi fundamental para propagar a marca futebol, ligada à Fifa, para os mais diferentes locais do mundo e na década de 1990 alcança altos patamares financeiros. A Copa do Mundo ocorrerá em regiões que jamais haviam recebido este torneio antes, muito pela falta de “tradição” nesta prática esportiva: Estados Unidos (1994), Japão/Coreia do Sul (2002) e África do Sul (2010). Tal realidade é ainda exacerbada pelos super-astros globais que se tornaram os jogadores do futebol, com grande destaque para o inglês David Beckam, muito mais conhecido fora de campo que dentro dele.
O futebol brasileiro viu a formação de parcerias com grandes grupos empresariais estrangeiros extraesporte, casos de Palmeiras-Parmalat e Corinthians-Excel Econômico. Só que, com o fim das parcerias, os clubes ficaram endividados e sem ter assimilado a prática gerencial que marcou o período de sucesso dentro de campo, quando podiam contar com os principais jogadores do país.
O final dos anos 2000 é marcado por um novo boom no futebol brasileiro e isso graças à mudança nos parâmetros de marketing, com a chegada de Ronaldo “Fenômeno” ao Corinthians. Ronaldo ajuda o time a conseguir patrocinadores para várias partes do uniforme (ombro, omoplata, lateral, calção etc.), sendo parte desses patrocínios responsável pelo pagamento do seu alto salário.
A cessão dos direitos
A receita dos times ganha um aumento acentuado, de tal forma que o caminho de ida de nossos jogadores para o exterior ficou mais curto; ampliando a volta de atletas de outros países e a contratação de jogadores sul-americanos, cuja economia é pior que a brasileira – este também é um processo que, inserido na sociedade capitalista, reflete o contexto sócio-histórico brasileiro.
Mas se os clubes estão com mais recursos, ainda não foi o tanto necessário para equalizar os seus gastos por temporada. Além disso, por mais que o valor da publicidade nos uniformes dos clubes brasileiros esteja num patamar não tão distante quanto antes dos clubes europeus, o consequente aumento nos valores para a cessão dos direitos de transmissão dos seus jogos mantém o broadcasting como a principal receita de todos, mesmo os que têm uma grande quantidade de sócios-torcedores, caso do Sport Club Internacional, com mais de 100 mil.
Sem a transferência de atletas, segundo dados do balanço financeiro do clube, o Corinthians, time com maior receita do Brasil desde 2009, teve um faturamento em 2011 de 184 milhões e 39 mil reais, dos quais cerca de 62%, pouco mais de 112 milhões de reais, vieram da cessão dos direitos de transmissão. O clube com maior faturamento em marketing do ano passado, a Sociedade Esportiva Palmeiras, é, dentre os treze principais clubes do país, o que mais o valor se aproxima do recebido pelos direitos de transmissão: R$ 46.771 X R$ 44.649. Lembrando que o cálculo sobre a cessão dos direitos de imagem leva em conta a importância da competição em disputa, o quanto o organizador do evento distribui, o tamanho da torcida – potencial de recepção – e a venda anual de pacotes de pay-per-view.
O marketing cresceu
Com tom de infelicidade, a pergunta que se retorna ao torcedor de futebol é: você estaria preparado para ver o seu time passar por apertos financeiros e, consequentemente, dentro de campo, para conseguir a “independência” dos ganhos com a televisão?
Acaba formatando um encadeamento em torno da transmissão, já que se a TV não mostra os jogos do time, ele terá ainda mais dificuldades para conseguir fechar patrocínios – por mais que os valores tenham chegado a tal nível que grandes clubes nacionais, como Flamengo, Corinthians e São Paulo iniciam o Brasileirão sem o patrocínio master.
Desta forma, o que há é uma relação em que a maior emissora do país, a Rede Globo de Televisão, sabe da sua importância para a manutenção dos clubes, tanto no pagamento ou adiantamento de cotas, quanto para utilizar das suas barreiras no mercado publicitário, por conta da audiência, para “forçar” os clubes, via patrocinadores, a fecharem contrato com ela. O problema é que estes ainda não desenvolveram fórmula suficientemente lucrativa para explorar por si só as suas marcas, como fez a Fifa a partir de Havelange. O marketing esportivo no país cresceu, mas ainda tem muita coisa a explorar no enfrentamento cotidiano com o amadorismo da maioria dos dirigentes de futebol.
Expansão via TV
O torcedor, é claro, é o principal atrativo destas relações. Afinal, é ele quem paga ingresso para ir ao estádio, compra o pay-per-view e vai adquirir os produtos oficiais lançados pelos times e seus patrocinadores. Mesmo com a aprovação do Estatuto do Torcedor (2003), o cuidado com ele, enquanto consumidor em grande potencial, é muito pouco desenvolvido pelos times no Brasil – o que vai muito além de aumentar o valor dos ingressos de forma a “elitizar” o público nos estádios.
Nesta relação, talvez falte também uma pressão maior por parte dos aficionados, de forma a deixarem de ser apenas espectadores e passem a fazer parte da vida do clube, podendo decidir por algo que no final da cadeia interessa muito mais a si do que a dirigentes, empresários e setores de esporte de grandes grupos midiáticos.
Sem a televisão, o futebol não teria chegado a tal nível de expansão tanto no que tange a público receptor quanto a valores trafegados em torno dele. Na atual conjuntura, é impossível imaginar os clubes e seleções vivendo de forma não profissional e, consequentemente, sem a participação dos valores envolvidos com os direitos de imagem.
Publicado em 27.07.2012