“Mas o fundamental não temos”


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Ação estudantil foi decisiva na Legalidade, diz Arantes

por Samir Oliveira

O dirigente nacional do PCdoB e ex-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Aldo Arantes, esteve em Porto Alegre na semana passada e se encontrou com o grupo que coordena as ações para a promoção da memória sobre a Campanha da Legalidade, que completa 50 anos em 2011. O comunista comandou a UNE em 1961 e transferiu a sede da entidade para Porto Alegre após a renúncia do ex-presidente Jânio Quadros, em 25 de agosto daquele ano. Na capital gaúcha, ele se uniu ao então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, que articulava um movimento de resistência pela posse do vice-presidente João Goulart. Arantes avalia que a participação dos estudantes foi fundamental para o movimento. “Lideramos uma greve nacional pela posse de Jango”. O então líder estudantil ficou o tempo inteiro no Palácio Piratini.

Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Arantes fala ainda sobre as investigações do governo federal para encontrar os corpos dos combatentes que lutaram na guerrilha do Araguaia. O comunista integra o Grupo de Trabalho Tocantins, coordenado pelo Ministério da Defesa, que busca os restos mortais dos guerrilheiros. Ele denuncia uma “operação limpeza” por parte das Forças Armadas para desaparecer com os corpos. “Fizemos 63 escavações em 23 locais diferentes em 2009 e não encontramos nada.”

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Jornal do Comércio – Como foi sua gestão na UNE?

Aldo Arantes – Em 1961, fui eleito presidente da UNE num momento em que a Juventude Universitária Católica (JUC) estava na liderança do movimento estudantil. Logo depois que assumi, fui a Brasília para manter um contato com o presidente da República, na época era o Jânio Quadros. E teve um episódio interessante. Para falar comigo, ele deixou os três ministros militares esperando: da Guerra, da Marinha e da Aeronáutica. Estavam na antessala do gabinete e o presidente me passou na frente. Isso ocorreu três dias antes de o Jânio renunciar (25 de agosto de 1961).

JC – A reunião estava relacionada com a renúncia?

AA – Os militares foram dar um xeque-mate no presidente. Jânio tinha um jeito completamente diferente de tratar as pessoas, era muito teatral. Eu e uma moça que era presidente do DCE da Universidade de Brasília entramos no gabinete e ele disse: “Por favor, presidente, sente-se!”. Olhei para trás e cheguei à conclusão de que ele se referia a mim mesmo, então me sentei (risos). Fui comunicá-lo que tinha sido eleito presidente da UNE e lhe disse: “Trouxe um ofício para o senhor”. Ele respondeu: “Um momento, presidente! Nos Estados Unidos, na França e em quase todos os países se trata um presidente por excelência!”. Evidentemente que eu, um estudante petulante, não me importei muito. E lá pelas tantas estava tratando ele por senhor novamente.

JC – E o que o senhor fez quando ficou sabendo da renúncia, três dias depois?

AA – Estava em Brasília e ouvi pelo rádio a notícia da renúncia do presidente Jânio Quadros e da tentativa de golpe dos militares para impedir a posse do vice Jango. Fui para o Rio de Janeiro e reuni a diretoria da UNE. Mas os militares já estavam nas ruas e no nosso prédio. Então transferi a sede para Porto Alegre, onde o Brizola liderava o movimento da Legalidade. Logo que chegamos fizemos contato com o governador e comecei a falar na Cadeia da Legalidade. Além disso, conduzimos uma greve geral dos estudantes em apoio ao presidente João Goulart.

JC – Qual a diferença do Estado para o resto do Brasil naquele período?

AA – Porto Alegre era uma situação totalmente diferente. Havia canhões antiaéreos nas praças. Era um clima de guerra, com pessoas nas ruas marchando. Brizola interveio na fábrica de armas Rossi e distribuiu revólveres para o povo. Ele conseguiu o apoio do Terceiro Exército. O comandante era o general Machado Lopes, que decidiu apoiar a Legalidade. E também teve o apoio do governador de Goiás, Mauro Borges, o único governador que se solidarizou. Isso desencadeou uma mobilização nacional. E os estudantes jogaram um papel decisivo. Aroldo de Lima, atual presidente da Agência Nacional de Petróleo, era líder do movimento estudantil na época e me contou como a Legalidade repercutia em Salvador (BA). Ele disse que centenas de estudantes ficavam na praça para ouvir Brizola e o Aldo Arantes no rádio. Os estudantes da Ufrgs também tiveram um papel importantíssimo.

JC – O senhor presenciou a chegada de Jango ao Estado?

AA – Estive presente em todos os momentos no Palácio Piratini, inclusive quando o presidente João Goulart chegou. Nesse clima de guerra, os militares procuravam uma solução para a crise, já que não tinham conseguido dar o golpe. Recuaram, mas impuseram condições, como a instauração do Parlamentarismo. Então, Tancredo Neves veio encontrar o presidente Jango para convencê-lo a aceitar o regime parlamentarista. Eu estava dentro do Palácio quando isso ocorreu e o Brizola não aceitou. Ele achava que o presidente tinha que resistir e manter a situação, pois seria uma vitória contra os “gorilas”. Mas Jango já tinha feito um acordo sem consultar Brizola e não havia como voltar atrás.

JC – Teve aquela cena em que o presidente João Goulart foi para a sacada do Piratini.

AA – Devia ter umas 5 mil pessoas em frente ao Palácio. O presidente precisava dar um adeus ao povo gaúcho. E foi uma situação contraditória, porque alguns segmentos acabaram vaiando o presidente. Houve aplauso, mas teve gente que vaiou (porque Jango aceitou o Parlamentarismo).

JC – O senhor e Jango chegaram a conversar nesse período?

AA – Não diretamente, mas estava sempre nas reuniões. A participação dos estudantes foi tão expressiva que, pela primeira vez na história, um presidente da República esteve na sede da UNE. Depois de assumir, Jango foi à praia do Flamengo, no prédio da UNE, com todo ministério, inclusive ministros militares, para agradecer aos estudantes pela mobilização.

JC – Depois da Legalidade, o senhor ficou amigo do Brizola.

AA – Virei amigo pessoal dele. No final de todo esse episódio, ele me deu um revólver 38 da Rossi, como símbolo da resistência democrática. Infelizmente não guardei, porque depois veio o golpe militar e a luta armada contra a ditadura. Acabei dando o revólver para um militante de um grupo armado. Foi um prejuízo grande, mas naquele momento, nem documentos a gente guardava, imagina então guardar armas.

JC – O senhor militava na JUC, mas acabou fundando a Ação Popular (AP). Como foi isso?

AA – No congresso que me elegeu para a presidência da UNE, houve uma determinação para que a entidade se filiasse à UIE (União Internacional dos Estudantes), com sede em Praga (então capital da Tchecoslováquia). O bispo auxiliar do Rio de Janeiro me informou que o Vaticano havia ordenado minha expulsão da JUC, por causa da filiação da UNE à UIE. Com isso, decidimos fundar a Ação Popular.

JC – E a migração ao PCdoB?

AA – Decidimos incorporar a AP ao PCdoB por razões políticas e ideológicas. Depois do golpe militar, a AP evoluiu de um pensamento cristão para um pensamento que colocaria a revolução como objetivo central, então fizemos opção pela luta armada. A AP era uma organização marxista-leninista. Como o PCdoB também seguia nessa linha, resolvemos iniciar uma conversação. Nesse processo, eclodem os combates da guerrilha do Araguaia, em 1972. Por causa disso, a AP decide acelerar o processo de incorporação ao PCdoB.

JC – O confronto armado da guerrilha do Araguaia ocorreu a partir de 1972. Mas militantes já estavam na região desde 1967.

AA – Sim, um grupo de estudantes foi descolado para a região. Inclusive o dirigente nacional do PCdoB, João Amazonas. E uma pessoa que teve papel importante na guerrilha foi o médico gaúcho João Carlos Haas Sobrinho. Porque uma das características dos militantes era uma dedicação grande à população local, sobretudo na assistência médica aos camponeses. Quando tinha um parto, lá ia o “Juca” fazer. Estavam sempre arranjando medicamentos e até ajudando o pessoal na colheita. Procuravam prestar serviços à comunidade local. Os camponeses gostavam dos guerrilheiros, chamavam eles de “paulistas”.

JC – Em abril, foram comemorados 39 anos da guerrilha do Araguaia. Qual o legado?

AA – O primeiro é a atitude heroica dos camaradas que foram para a selva. A grande maioria eram jovens que se dispuseram a correr o risco de morte em uma luta pela liberdade. Devemos admiração à conduta desses guerrilheiros. Há relatos sobre a violência com que o Exército atuou na repressão à guerrilha. O objetivo não era prender, matar. Cortavam a cabeça e as mãos dos guerrilheiros. Foi a maior mobilização militar desde a Guerra do Paraguai. Mais de 5 mil soldados para combater 69 guerrilheiros. E ainda assim tiveram que fazer três campanhas para conseguir a vitória. Na terceira, mudaram de tática. Em vez de tropas, se infiltraram na população local para obter informações. Ficavam em trajes civis e portavam armamento menor e se apresentavam como fazendeiros, por exemplo. Procuravam identificar os pontos de apoio dos guerrilheiros.

JC – Nesse contexto, houve repressão contra camponeses.

AA – Criaram uma barreira entre a população local e os guerrilheiros. Para que os militantes não tivessem nenhum suporte, nem acesso a medicamentos e armas, os militares foram para cima daqueles camponeses que apoiavam a guerrilha. Matavam seus animais, botavam fogo nas casas e plantações, torturavam e os expulsavam das terras. Foi generalizado e trouxe consequências graves.

JC – Esses camponeses foram anistiados?

AA – Sim. A primeira Caravana da Anistia organizada do Ministério da Justiça – quando Tarso Genro (PT) era ministro – foi para São Domingo do Araguaia. Lá, foi concedida anistia a 45 camponeses. Mas aí houve uma ação do (deputado federal) Jair Bolsonaro (PP-RJ) em 2009 contra essa anistia, alegando que a comissão não tinha considerado nenhum critério para aprovar o benefício aos camponeses. Isso não é verdade. Tanto que havia mais de 80 pedidos de anistia para serem julgados e foram concedidos apenas 45.

JC – E como essas pessoas vivem hoje?

AA – A situação é extremamente grave. Já morreram cinco dos que haviam sido anistiados. Vários estão com problemas de saúde. Eles estão sem condições materiais de sobrevivência. São pessoas que foram levadas a um sacrifício desumano. A sociedade deve ter conhecimento da situação para que haja mobilização em prol dos direitos desses camponeses.

JC – O senhor integra o Grupo de Trabalho Tocantins, coordenado pelo Ministério da Defesa, que busca os corpos dos guerrilheiros assassinados no Araguaia. Como está esse processo?

AA – Em função de uma determinação da Justiça, o governo (do ex-presidente) Lula (PT) decidiu montar esse comitê para encontrar os restos mortais dos guerrilheiros do Araguaia. O grupo é composto de vários segmentos da sociedade, e atuou como representante do PCdoB. Temos instrumentos para detecção. É uma equipe tecnicamente competente e politicamente importante, que conta com o apoio logístico do Exército. Mas o fundamental não temos: informações.

JC – O Exército se nega a dar informações?

AA – Desde o começo eu percebia que os dados fornecidos eram inconsistentes. Em certa ocasião, recebemos a informação exata do local onde o Osvaldão, um companheiro destacado na guerrilha, havia sido enterrado. Fomos até lá e não encontramos nada. Então foi ficando mais claro que tinha havido uma operação limpeza. Fizemos 63 escavações em 23 locais diferentes em 2009 e não encontramos nada. Depoimentos de militares na reserva confirmam isso. Um ex-militar chamado Valdin confirmou a operação. Há, inclusive, um clima de medo na região devido à presença de ex-militares.

. Perfil

Aldo Silva Arantes nasceu em 1938, na cidade de Indianápolis, em Goiás. Começou a atividade política no movimento secundarista e foi para o Rio de Janeiro estudar Direito na PUC-RJ. Iniciou a faculdade em 1958, mas só foi concluir o curso em 1981, devido à atuação política que desenvolveu no período. Ligado à Juventude Universitária Católica (JUC), foi presidente do DCE da PUC e, em 1961, foi eleito para o comando da União Nacional dos Estudantes (UNE), quando transferiu a sede da entidade para Porto Alegre e participou da Campanha da Legalidade. Após ter sido expulso da JUC por ordem do Vaticano, articulou a fundação da Aliança Popular (AP) e, em 1972, com o início dos combates da guerrilha do Araguaia, foi um dos que promoveram a integração da AP ao PCdoB. Cumpriu quatro mandatos como deputado federal pelo PCdoB. Atualmente, mora em Brasília e atua como dirigente nacional do PCdoB e diretor-presidente do Instituto Nacional de Pesquisa e Defesa do Meio Ambiente.

{ Instituto João Goulart }

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