Na cadência da guerrilha de palavras

15-08-2015g

“Sonidos de la Guerrilla”. Assim é chamado o novo disco da Word’s Guerrilla, lançado no esquema independente e sucessor de “La Fuerza”, o primogênito. Para quem não conhece o grupo, Silvio Campos (guitarra e voz), também vocalista da Karne Krua, juntou-se em 1996 ao Miguel (bateria) e Jamesson (baixo), e lançou dois trabalhos inseridos no escasso rol de visibilidade para as bandas com letras políticas de calibre pesado. Repetição e conformismo fruto dos tempos neoliberais, que legou ao universo do Rock do final dos anos 90 para cá o New Metal (que descanse em paz!), e o Hardcore Rick&Renneriano, unha preta e boné de caminhoneiro, que ainda são a bola da vez.

Em tempos de ‘imagem é tudo’, é interessante saber e acompanhar este álbum, cuja criação foi de 2002 a 2005. Com o selo do Inmetro que é a procedência do Silvio e companhia, Sonidos teve o Samuel como responsável pelas baquetas e traz 18 músicas, sendo que 3 são bônus – La Fuerza (o hit!) e Sequestro (ambas do primeiro disco), além de Carniza, inédita. São quase 45 minutos de fogo cerrado, som que refresca a memória diante dos güeros do Brujeria, mas de diferenciais natos, como ‘El Sol (Inti Raimi)’ e ‘Esperanza Muerta’, a primeira garantindo a influência à Dick Dale, enquanto a segunda faz do bolero a trilha perfeita de lamento existencial em letra curta, tão potente como o upper que leva ao nocaute.

De quebra, o trio de latinidades distorcidas mantém o ‘tudo pelo social’ em faixas do porte de ‘Sin Tierra’, ‘Diversão’, ‘Guerrilla de Palabras’, ‘Gobierno de Mierda’, ‘La Máquina’, ‘Esclavos’ e ‘Pain’, esta uma exceção nas letras, que oscilam entre as línguas portuguesa e espanhola e, por que não, do portunhol, que sempre quebra um galho para quem não compreende os idiomas das terras do Roberto Leal e do Julio Iglesias, respectivamente. Seguindo a premissa de que som e talento não são medidos ou encontrados apenas num site pós-moderno, tocar nos ‘maiores’ festivais independentes ou pela evidência nos textos dos pretensos intelectuais da música, Sonidos de la Guerrilla é para quem curte barulhos bons e não se contenta em “chorar pelo sucrilho que estragou”, diria o Marcelo Nova. No mínimo, um analgésico ante a ressaca de mensalões, discursos não cumpridos, imperialismo, grampos telefônicos e caras de pau que infestam os rumos das políticas sociais (?) brasileira e mundial. E na música também, por que não? “A sorte está lançada, face globalizada, geração carente de pátria e união”!

Na sequência, papo com o Silvio Campos e na pauta, história do grupo, opiniões e muitos sonidos no front.

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A_Luzerna_Falas Ricardo Santos A Word’s Guerrilla lança o 2.º álbum depois de certo tempo sem gravar. Sabendo que você há quase duas décadas está à frente de uma das mais importantes bandas de Punk/HC do país – Karne Krua -, de onde nasce a Word’s, nessa proposta de trio com latinidades distorcidas?

A_Luzerna_Falas Silvio Campos Bom, acho que todo mundo que toca em alguma banda tem influências e às vezes gostos muito variados, esse é o meu caso – escutar variadas vertentes de música deu-me a capacidade de criar e compor trabalhos (letras e músicas) bem diferentes, ou melhor dizendo, com sua própria cara. A latinidade distorcida da WG é uma característica dela vendo o desenrolar da WG. Percebi no meio do caminho que esse era o gancho para a mesma tomar cara própria e diferente da Karne Krua, já que as pessoas ligam muito uma banda a outra. A Word’s não é um projeto, é uma banda com história e objetivos.

Nós começamos em 96, eu e o Miguel (primeiro baterista da Word’s) tínhamos terminado o ciclo da banda ‘A Casca Grossa’. Eu então parti para fazer algo que não tivesse conteúdo político, algo Rock sujo e despojado com influências de Stooges, Cramps, etc… Com a entrada dos outros componentes, a banda tomou novo rumo: o nome, que seria ‘Happy Birthday’, deu lugar para um termo encontrado num release em inglês da Karne Krua – Word’s Guerrilla ou Guerrilha da Palavra – e isso foi uma luva, daí a banda não mais parou.

15-08-2015h

Em ordem: Samuel, Silvio e Jamesson

A_Luzerna_Falas RS Nesse intervalo de pouco mais de 5 anos sem um novo registro, mas presente nos gigs da vida, o que foi acrescido ao ponto de vista das letras, músicas e na percepção do grupo ante as imperfeições sociais?

A_Luzerna_Falas SC A banda parou alguns meses depois da saída de Miguel – três, eu acho – e logo depois o Jamesson conheceu o Samuel, que tocou com ele e resolveu convidá-lo para participar da banda. Voltamos com muita força e composições novas, fazendo assim um outro capítulo da banda, que desembocou no Sonidos de la Guerrilla.

Nesse tempo, por incrível que pareça, a banda ficou mais politizada, seus temas continuam diversificados, mas sempre voltamos para o ponto político-social, ‘me gusta hablar de temas diferentes’ como em La Maquina. Nossa música após Sonidos está sendo modificada, agora entrou um novo guitarrista, iremos usar alguns arranjos percussivos e a banda, no geral, está mais pesada, tudo isso sem perder a latinidade.

A_Luzerna_Falas RS Sonidos de la Guerrilla saiu totalmente independente, o que por si só garante papos como disco gravado há um tempo, e muito depois, finalmente sai. A grana acaba sendo curta, pois subsídios são sempre raros e insuficientes. Com o disco em mãos, fica visível o capricho na concepção visual, incluindo até trabalhos do Madureira, artista sergipano com importantes participações no underground nacional.

15-08-2015i

A_Luzerna_Falas SC Correto, visualizamos outras artes que eram muito boas, mas em um momento do processo pensei em simplificar tudo, fazer o preto-e-branco, a coisa panfletária, e que isso tivesse uma ligação direta com a sonoridade do cd, a música funcionando com a arte gráfica, foi a influência dos fanzines. O Madureira é inspiração para a banda, embora esse trabalho também tenha a mão do ex-Karne Krua Marcelo Gaspar, que sempre faz coisas muito boas.

A_Luzerna_Falas RS De que forma vocês irão conduzir a divulgação? Ainda que recém-saído, qual a receptividade em torno dele, quer aí em Sergipe, quer em outros estados?

A_Luzerna_Falas SC A divulgação é sempre difícil, mas ela vai acontecendo via zines, revistas, sites… Nós temos conquistado um espaço local, estamos fazendo nossa história e isso é conquistado aos poucos.

Nós gravamos Sonidos ao vivo, em 3 ou 4 sessões, foi muito rápido, e os bônus fazem parte da história e servem como divulgação mais ainda do primeiro cd, dois deles foram significativos na história da banda, com o detalhe de serem em espanhol.

A_Luzerna_Falas RS Na nossa última entrevista, em 2002, o tema partia do lançamento de ‘Em Carne Viva’, disco oficial da Karne Krua, e perguntei a sua opinião sobre as novas bandas de Punk/HC nacionais. Agora, como em qualquer outra oportunidade, aproveito para saber a sua opinião, se há coisas interessantes acontecendo ou os dois estilos, a grosso modo, continuam açucarados, numa versão com guitarras e letras à la Rick & Renner?

A_Luzerna_Falas SC Isso é moda, é um caminho escroto que querem dar ao estilo. Tem muita gente que conhece a música Punk tendo como referências bandas como CPM 22, Charlie Brown Jr. e pronto… Não sou contra essas bandas, mas muito menos a favor. A garotada tá manipulada dentro dos seus quartos, apês, computadores e MTVs; conhecer outras coisas é importante, há garotos que amam Pitty, mas desconhecem e nem se interessam um pouquinho em saber o que é Inkoma (antiga banda da roqueira baiana), “entende” (já dizia o Pelé!).

Tem coisas novas boas e a maioria fundamentada na escola antiga; isso é muito mais verdadeiro. Por aqui, posso indicar ‘Da Boca ao Reto’, Grind doentio com muita técnica e elementos diferentes; ‘Rockassetes’, que faz um som doce com influências de Beatles… e coisas sessentistas, dentro do contexto que eles escolheram, o fazem com competência. A ‘Máquina Blues’, única no cenário local voltada ao Blues; tem a ‘Sign of Hate’, Death Metal estupidamente brutal e não aconselhável para certos ouvidos; tem a ‘Plástico Lunar’, que vai pela influências variadas de Beatles, The Who, Hendrix e Mutantes. Não poderia esquecer, em nível nacional, ‘Thee Butcher’s Orchestra’, ‘Cachorro Grande’ e ‘Retrofoguetes’.

A_Luzerna_Falas RS Considerações finais…

A_Luzerna_Falas SC Eu quero deixar claro que a WG é uma banda como outra qualquer, não somos melhor nem pior. Se optamos por temas cantados em espanhol, é um direito nosso, assim como centenas e centenas de bandas cantam no idioma inglês; nós temos o direito de cantar nossas músicas como quisermos, e por aí vai. Valeu, abraço!

A_Luzerna_Sons

Esclavos

El Sol (Inti Raimi)

Guerrilla de Palabras

La Fuerza

A_Luzerna_Sons

por Ricardo S.
Imagens + Sons: Divulgação
(Publicado originalmente em 2005)

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