“Sonidos de la Guerrilla”. Assim é chamado o novo disco da Word’s Guerrilla, lançado no esquema independente e sucessor de “La Fuerza”, o primogênito. Para quem não conhece o grupo, Silvio Campos (guitarra e voz), também vocalista da Karne Krua, juntou-se em 1996 ao Miguel (bateria) e Jamesson (baixo), e lançou dois trabalhos inseridos no escasso rol de visibilidade para as bandas com letras políticas de calibre pesado. Repetição e conformismo fruto dos tempos neoliberais, que legou ao universo do Rock do final dos anos 90 para cá o New Metal (que descanse em paz!), e o Hardcore Rick&Renneriano, unha preta e boné de caminhoneiro, que ainda são a bola da vez.
Em tempos de ‘imagem é tudo’, é interessante saber e acompanhar este álbum, cuja criação foi de 2002 a 2005. Com o selo do Inmetro que é a procedência do Silvio e companhia, Sonidos teve o Samuel como responsável pelas baquetas e traz 18 músicas, sendo que 3 são bônus – La Fuerza (o hit!) e Sequestro (ambas do primeiro disco), além de Carniza, inédita. São quase 45 minutos de fogo cerrado, som que refresca a memória diante dos güeros do Brujeria, mas de diferenciais natos, como ‘El Sol (Inti Raimi)’ e ‘Esperanza Muerta’, a primeira garantindo a influência à Dick Dale, enquanto a segunda faz do bolero a trilha perfeita de lamento existencial em letra curta, tão potente como o upper que leva ao nocaute.
De quebra, o trio de latinidades distorcidas mantém o ‘tudo pelo social’ em faixas do porte de ‘Sin Tierra’, ‘Diversão’, ‘Guerrilla de Palabras’, ‘Gobierno de Mierda’, ‘La Máquina’, ‘Esclavos’ e ‘Pain’, esta uma exceção nas letras, que oscilam entre as línguas portuguesa e espanhola e, por que não, do portunhol, que sempre quebra um galho para quem não compreende os idiomas das terras do Roberto Leal e do Julio Iglesias, respectivamente. Seguindo a premissa de que som e talento não são medidos ou encontrados apenas num site pós-moderno, tocar nos ‘maiores’ festivais independentes ou pela evidência nos textos dos pretensos intelectuais da música, Sonidos de la Guerrilla é para quem curte barulhos bons e não se contenta em “chorar pelo sucrilho que estragou”, diria o Marcelo Nova. No mínimo, um analgésico ante a ressaca de mensalões, discursos não cumpridos, imperialismo, grampos telefônicos e caras de pau que infestam os rumos das políticas sociais (?) brasileira e mundial. E na música também, por que não? “A sorte está lançada, face globalizada, geração carente de pátria e união”!
Na sequência, papo com o Silvio Campos e na pauta, história do grupo, opiniões e muitos sonidos no front.
> > >
Ricardo Santos A Word’s Guerrilla lança o 2.º álbum depois de certo tempo sem gravar. Sabendo que você há quase duas décadas está à frente de uma das mais importantes bandas de Punk/HC do país – Karne Krua -, de onde nasce a Word’s, nessa proposta de trio com latinidades distorcidas?
Silvio Campos Bom, acho que todo mundo que toca em alguma banda tem influências e às vezes gostos muito variados, esse é o meu caso – escutar variadas vertentes de música deu-me a capacidade de criar e compor trabalhos (letras e músicas) bem diferentes, ou melhor dizendo, com sua própria cara. A latinidade distorcida da WG é uma característica dela vendo o desenrolar da WG. Percebi no meio do caminho que esse era o gancho para a mesma tomar cara própria e diferente da Karne Krua, já que as pessoas ligam muito uma banda a outra. A Word’s não é um projeto, é uma banda com história e objetivos.
Nós começamos em 96, eu e o Miguel (primeiro baterista da Word’s) tínhamos terminado o ciclo da banda ‘A Casca Grossa’. Eu então parti para fazer algo que não tivesse conteúdo político, algo Rock sujo e despojado com influências de Stooges, Cramps, etc… Com a entrada dos outros componentes, a banda tomou novo rumo: o nome, que seria ‘Happy Birthday’, deu lugar para um termo encontrado num release em inglês da Karne Krua – Word’s Guerrilla ou Guerrilha da Palavra – e isso foi uma luva, daí a banda não mais parou.
RS Nesse intervalo de pouco mais de 5 anos sem um novo registro, mas presente nos gigs da vida, o que foi acrescido ao ponto de vista das letras, músicas e na percepção do grupo ante as imperfeições sociais?
SC A banda parou alguns meses depois da saída de Miguel – três, eu acho – e logo depois o Jamesson conheceu o Samuel, que tocou com ele e resolveu convidá-lo para participar da banda. Voltamos com muita força e composições novas, fazendo assim um outro capítulo da banda, que desembocou no Sonidos de la Guerrilla.
Nesse tempo, por incrível que pareça, a banda ficou mais politizada, seus temas continuam diversificados, mas sempre voltamos para o ponto político-social, ‘me gusta hablar de temas diferentes’ como em La Maquina. Nossa música após Sonidos está sendo modificada, agora entrou um novo guitarrista, iremos usar alguns arranjos percussivos e a banda, no geral, está mais pesada, tudo isso sem perder a latinidade.
RS Sonidos de la Guerrilla saiu totalmente independente, o que por si só garante papos como disco gravado há um tempo, e muito depois, finalmente sai. A grana acaba sendo curta, pois subsídios são sempre raros e insuficientes. Com o disco em mãos, fica visível o capricho na concepção visual, incluindo até trabalhos do Madureira, artista sergipano com importantes participações no underground nacional.
SC Correto, visualizamos outras artes que eram muito boas, mas em um momento do processo pensei em simplificar tudo, fazer o preto-e-branco, a coisa panfletária, e que isso tivesse uma ligação direta com a sonoridade do cd, a música funcionando com a arte gráfica, foi a influência dos fanzines. O Madureira é inspiração para a banda, embora esse trabalho também tenha a mão do ex-Karne Krua Marcelo Gaspar, que sempre faz coisas muito boas.
RS De que forma vocês irão conduzir a divulgação? Ainda que recém-saído, qual a receptividade em torno dele, quer aí em Sergipe, quer em outros estados?
SC A divulgação é sempre difícil, mas ela vai acontecendo via zines, revistas, sites… Nós temos conquistado um espaço local, estamos fazendo nossa história e isso é conquistado aos poucos.
Nós gravamos Sonidos ao vivo, em 3 ou 4 sessões, foi muito rápido, e os bônus fazem parte da história e servem como divulgação mais ainda do primeiro cd, dois deles foram significativos na história da banda, com o detalhe de serem em espanhol.
RS Na nossa última entrevista, em 2002, o tema partia do lançamento de ‘Em Carne Viva’, disco oficial da Karne Krua, e perguntei a sua opinião sobre as novas bandas de Punk/HC nacionais. Agora, como em qualquer outra oportunidade, aproveito para saber a sua opinião, se há coisas interessantes acontecendo ou os dois estilos, a grosso modo, continuam açucarados, numa versão com guitarras e letras à la Rick & Renner?
SC Isso é moda, é um caminho escroto que querem dar ao estilo. Tem muita gente que conhece a música Punk tendo como referências bandas como CPM 22, Charlie Brown Jr. e pronto… Não sou contra essas bandas, mas muito menos a favor. A garotada tá manipulada dentro dos seus quartos, apês, computadores e MTVs; conhecer outras coisas é importante, há garotos que amam Pitty, mas desconhecem e nem se interessam um pouquinho em saber o que é Inkoma (antiga banda da roqueira baiana), “entende” (já dizia o Pelé!).
Tem coisas novas boas e a maioria fundamentada na escola antiga; isso é muito mais verdadeiro. Por aqui, posso indicar ‘Da Boca ao Reto’, Grind doentio com muita técnica e elementos diferentes; ‘Rockassetes’, que faz um som doce com influências de Beatles… e coisas sessentistas, dentro do contexto que eles escolheram, o fazem com competência. A ‘Máquina Blues’, única no cenário local voltada ao Blues; tem a ‘Sign of Hate’, Death Metal estupidamente brutal e não aconselhável para certos ouvidos; tem a ‘Plástico Lunar’, que vai pela influências variadas de Beatles, The Who, Hendrix e Mutantes. Não poderia esquecer, em nível nacional, ‘Thee Butcher’s Orchestra’, ‘Cachorro Grande’ e ‘Retrofoguetes’.
RS Considerações finais…
SC Eu quero deixar claro que a WG é uma banda como outra qualquer, não somos melhor nem pior. Se optamos por temas cantados em espanhol, é um direito nosso, assim como centenas e centenas de bandas cantam no idioma inglês; nós temos o direito de cantar nossas músicas como quisermos, e por aí vai. Valeu, abraço!
por Ricardo S.
Imagens + Sons: Divulgação
(Publicado originalmente em 2005)