Sabe o que pode acontecer ao mandar alguém para o raio que o parta? O baixista Les mexe com telhados; a produtora e ex-affair do falecido guitarrista Brian, Karen, era hostess ou algo do gênero; Beano, o baterista, recluso no interior, no sítio da mãe, a cuidar de mudas de plantas; Ray, o vocalista, guardou uma grana, mas o castelo em que mora está hipotecado… Tony, o tecladista, é representante de preservativos numa praia turística. Ou seja, se a praga pega, destrói até banda de Rock!
É o ponto de partida do filme “Ainda muito loucos” (Still Crazy, de 1998 – Columbia Home Video), que traz a história da banda inglesa fictícia, Strange Fruit, ali de meados dos anos 70, parece Whitesnake, recuerdos de Led Zeppelin, influência para The Black Crowes. Aliás, há o prelúdio com o show dos Fruit no Festival de Wisbech, em 1978, onde, agora sim, um raio cai durante a apresentação, e como numa maldição, rachas internos e grupo ficaram para trás, mesmo sem “estourar” mundialmente.
1998. Tony foi convencido a ser o cara para reunir a turma: 20 anos depois, a produção do fatídico festival quer a segunda edição, e já que dizem que a moda vem das Oropa, é tudo do jeitinho que sabemos hoje. Anos de “É impossível a banda voltar, os problemas de relacionamento foram seriíssimos, não quero nem ver a cara”, só que se não “estourou” na arte, e sendo bons nisso, poderá explodir é a paciência.
Daí o rumo é o traçado pelos roteiristas Dick Clement e Ian La Frenais, que junto do diretor Brian Gibson, têm outras películas de enredos musicais. O tecladista encontra Karen, convence-a a buscar Les, Beano, e por último, como sempre, a dura tarefa de convencer o vocalista. Buscam um guitarrista novo, nem pensar em perder a redenção. O amigo roadie retorna também, depois de tour com Aerosmith e outros…
Assim, roda a fita (ou o disco) e o detalhamento dos comportamentos impressiona. Roteiristas e diretor realmente conheciam a matéria e devem ter cruzado com pessoas iguais aos Fruit, ouvido relatos de próximos. A fidelidade ao estilo de vida no gênero, na fatia Hard Rock, é total e torna “Ainda muito loucos” um documentário-ficção a provocar reflexão sobre a indústria do entretenimento e a relação com um segmento musical.
Cada tipo foi interpretado (e muito bem!) e o processo de ascensão exige mais que talento – que é opcional, desnecessário que venha de fábrica. Idem para a queda e o retorno, indústria pura, trapos juntados, ensaios, tour de “ver como vai ficar” por pubs do lado de lá do Canal da Mancha, típicos dos anos 90 e suas mil e uma tribos, dificuldades para fazer parte de um negócio, questionamento da “classe” à meia-idade… Selos, mídia, “ídolos da nova geração”, lembraram de tudo e colocaram na tela.
Enquanto questiona, o espectador tem a possibilidade do acesso à cartilha do Pop na atmosfera da época do Strange Fruit, quando o Pop, como sempre, não poupava ninguém, mas deixava a qualidade muito mais em evidência. Dificilmente desgrudará da tela, torcerá involuntariamente para a banda se reencontrar, pegar o ritmo, embalada pela “canção-tema”, no caso de Ray e companhia, “The flame still burn”, uma das causas de brigas nos agitados anos 70. 1h30min com sensação de um riff, mantenha-o longe de ex-punk ou ex-headbanger, agora pentecostal, recaída na certa e highway to hell. Drama, comédia e aventura através dos maneirismos do Rock, os originais e estimulantes.
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por Ricardo S.
Imagens: Reprodução/www
(Publicado originalmente em 2008)