Há dias um novo vídeo cheio de direitos e nenhum dever chegava à web para derrubar a ditadura na Venezuela. Assim como a intenção de criar evento para “vazar” na rede mundial, tão certo era que o destino atingisse a essência do que move o virtual desde que um perfil é perfil, desde que o simancol está costurado no acolchoado do travesseiro.
Recém-começado o Zurda Konducta, na VTV, o áudio soava intragável, voz feminina ligada ao liquidificador, a misturar estridência de um grupo de araras famintas, já que falamos do país caribenho, com voz masculinizada de mulher. Barulho movido a má educação.
Ao tornar-se menos insuportável, mais doses de vergonha viriam.
A jovem gastava bateria e ausência de senso de ridículo para reivindicar a compra de quatro cremes dentais (!?!?!?) numa rede de farmácias. Cada passo do barraco foi gravado, cada minuto trazia mais masculinidade feminina, sem faltar o desprezo pelas moças atendentes, que não tinham a ver com mais um estrelato vulgar da internet. Quer dizer, não ter a ver é relativo no país em que, tal como no Chile de Salvador Allende, se antes não derrubassem a Constituição com coturnos e canhões, esvaziam-se prateleiras para a insatisfação da sociedade, a fim de vibrar o mundo das marcas, o tiro de misericórdia de não consumir a fantasia no sistema capitalista.
Certamente, a esquinas dali encontraria, quiçá numa farmácia de manipulação ou feira popular, o sonhado quarteto dental para repousar por meses no armário do banheiro, enquanto os conterrâneos enfrentam filas para conseguir.
Birra tagarélica e inevitável egocentrismo. Tenho celular, não estudei História, ignoro o motivo do país estar legislando para limitar a compra individual tanto pelo “o outro que se foda” quanto por não duvidar das multinacionais que detêm as empresas da maior parte dos produtos. Nem todo idiota se liga ou se preocupa em saber se tais indústrias estão em vias de fechar as portas, se as filas são ecléticas no que tange às classes sociais, ou se acaparan. Se quem mais usufrui do vídeo, os usurpadores da direita histórica apátrida, está ali permutando ofensas por soberania e pela condição de classe para ganhar likes.
Na deles, os que estão por trás do bachaqueo, não faltam itens ou enfileiram-se com o povo, pois a ditadura é seletiva. Depende do interesse de quem a propaga.
A moça conseguiu acessos, cliques, comments, toda a inutilidade que embevece estes tempos, inclusive que é humorista, atriz, teve êxito com remédio mágico de emagrecimento, etc. Empolgada com a repercussão da falta de se enxergar, lançou novos vídeos, um deles repleto de quebra da imagem direta do seu próprio país, e do continente latino-americano, pois nem o cavalo do Libertador de tão branco é gay, Bolívar e os costeletudos próximos também, e o que isso tem a ver com o sujeito contra-revolucionáriao não se sabe. A opção sexual, milenar ingrediente de peso em assuntos dos quais não depende: contestar a condição de colônia e lutar contra o domínio metropolitano. A jovem derrubaria uma ditadura sanguinária sem exércitos, emboscadas, terrorismo, mas com quatro tubos para os dentes. Nem John Rambo, que precisa de si e de uma arma com peças de reposição.
A fama chegou aos canais de governos olheiros do petróleo da região, falando do estado gravíssimo que é não poder comprar quatro, e sim duas unidades para limpeza pessoal, ignorando a medida tomada pela Superintendencia de Precios Justos de fazer frente ao desabastecimento da chamada “guerra econômica” que infecta a Venezuela. A estes impérios, que ressuscitam Lei da Mordaça, quando não são extremos legalistas, não interessam os porquês, tampouco o desrespeito aos símbolos cívicos… dos demais. Cooptam locais da nação-alvo para o desonroso papel de otári@.