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A real polarização
[ Editorial Semanal ]
De agosto para setembro, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), prévia da inflação oficial do País, passou de 0,89% para 1,14%, o maior resultado para o mês de setembro desde o início do Plano Real e a maior taxa da série histórica desde fevereiro de 2016. Nos últimos 12 meses, a alta acumulada é de 10,05%, puxada pelas altas do preço da gasolina (33%) e da energia elétrica (25%). A inflação de alimentos, como todos sabem e sentem, não cede desde março, golpeando com violência os mais pobres: segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as famílias que recebem até dois salários mínimos consomem 22% de sua renda para alimentar-se, enquanto nos lares com vencimentos superiores a 20 mínimos, o gasto com comida fica em torno de 7%. Ao menos 14,7 milhões de lares são considerados como de “pobreza extrema”, o que significa uma renda per capita de R$ 89, sinônimo da fome e do pauperismo agudos.
Diante deste cenário dramático, em que está mergulhado nosso povo, só o cinismo mais abjeto explica as declarações do genocida Bolsonaro na Organização das Nações Unidas (ONU), no último dia 21, louvando o “superávit das estatais” e o recorde da produção de alimentos. Ele disse: “Nossa moderna e sustentável agricultura de baixo carbono alimenta mais de 1 bilhão de pessoas no mundo e utiliza apenas 8% do território nacional”.
Num aspecto, o capitão do mato não mente: o Brasil é, de fato, um dos maiores exportadores de alimentos do mundo. Em 2020, o latifúndio exportador avançou sua participação no PIB para 26,6% – havia sido de 20,5% no ano anterior. No ano passado, o Brasil exportou 2,2 milhões de toneladas de carne bovina, o que equivale a 14% da produção mundial. Enquanto isso, o consumo interno recuou para os menores patamares desde 1996.
Mas a questão é justamente esta: a inflação e a fome epidêmica não são causadas por meros erros de gestão do governo federal, como quer fazer crer o senso comum e a oposição burguesa e pequeno-burguesa. Suas causas são estruturais, e repousam, no fim das contas, no acintoso monopólio da terra, que devora as maiores e melhores terras do País para a prática da monocultura exportadora, deixando o abastecimento de alimentos a cargo da economia camponesa, seja ela a pequena ou média, permanentemente escorchada pela carência de subsídios, pelo encarecimento dos fretes, quando não, pelas perseguições do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e outros, pelas sucessivas reintegrações de posse contra as famílias posseiras de camponeses pobres, despejos legais e ilegais, feitas a mando do latifúndio. Assim como ocorre no combustível, o preço da proteína animal está atrelado ao dólar, no instante mesmo em que este experimenta a maior alta frente ao real em décadas. Isto dessangra a economia nacional como um todo, e o salário dos trabalhadores em particular. É um modelo semicolonial escancarado. É claro que, no topo da pirâmide, ganham os rentistas e os ladrões de terras públicas, onde se recrutam os novos bilionários brasileiros – ancorados, todos, no Estado burocrático-latifundiário, serviçal do imperialismo, que não lhes recusa crédito, perdão periódico de dívidas e outras benesses. Estes setores são governistas qualquer que seja o governo. Ideologicamente, identificam-se com Bolsonaro, embora os maiores deles não o preferem por ser sua política externa 100% a favor do Estado sionista de Israel que lhes fecham o mercado árabe e 100% contra a China, cerrando-lhes as portas do imenso mercado desta; fora destes muitos financia seus atos e sua indústria de mentiras. Diante do futuro levantamento das massas, alinhar-se-ão com o primeiro líder golpista e as medidas mais draconianas que possam lhes defender.
Esta é a verdadeira polarização de nossa sociedade, e não a miríade de candidatos que já se assanham para gerir a miséria e a repressão sobre as massas, apresentando-se como “salvadores da pátria”. De um lado, os superlucros dos bancos, do latifúndio, das empreiteiras; de outro, os milhões e milhões de brasileiros condenados à indigência e a uma vida sem perspectivas. No lastro desta catástrofe humanitária, temos as prisões superlotadas e o aumento das mortes por intervenção policial, que não caíram de modo sensível mesmo durante a pandemia. Sabemos qual é o perfil da maior parte dos 600 mil vitimados pela Covid-19, aqueles que não conseguiram nem sequer acessar um leito de UTI no SUS, ou morreram amarrados às suas camas, supliciados, intubados sem os sedativos e anestésicos indispensáveis: eram, afinal, os “matáveis” de sempre, a “população excedente” – no sentido de Marx, isto é, aquela que é expulsa do processo produtivo, e vive nos tugúrios, em condições infra-humanas, incompatíveis com o século XXI.
Para onde esta situação terrível aponta?
Do ponto de vista da velha ordem, à militarização e ao fascismo; à restrição continuada de qualquer arremedo de regimes democráticos, única salvaguarda contra o abismo econômico e político (ainda que, de fachada, haja eleições e alternância periódica de partidos).
Do ponto de vista das massas, ao auge da sua mobilização; ao desmascaramento crescente das soluções intermediárias e do oportunismo, que promete fazer o impossível: remendar e humanizar a velha ordem; situação que aponta ainda à radicalização das formas e táticas de sua luta, que transbordarão as margens cada vez mais estreitas em que são comprimidas.
{ A Nova Democracia }
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