Quando a violência mata o esporte
por Eliakim Araújo
Frequentei o Maracanã muitas vezes nas décadas de sessenta e setenta. Como torcedor do Vasco, não perdia um só jogo do chamado “clássico dos milhões”, que reunia as maiores torcidas do Rio, as de Vasco e Flamengo. Tive mais alegrias que tristezas naquele período.
Lembro-me que, ao final dos jogos, torcedores das duas equipes desciam a rampa do estádio lado a lado, com os vencedores cantando e gritando palavras de gozação aos vencidos. Não havia cordões de isolamento de policiais separando a turba ruidosa e nem por isso a porrada comia. E olha que, na época, um Vasco e Flamengo reunia 100 mil pessoas, na arquibancada, geral e cadeiras do Maraca. Quando o número era menor que esse, as duas torcidas se uniam num só coro: “Ladrões… ladrões”, assim que os alto-falantes anunciavam público e arrecadação.
Mas aqueles bons e românticos tempos mudaram e o crescimento da violência do Rio atingiu em cheio a frequência dos estádios de futebol. A barra ficou pesada para quem costumava levar a namorada ou a família ao jogo. Para evitar uma batalha de graves consequências, determinaram que a saída das torcidas seria por diferentes locais, uma pela rampa da estação ferroviária, outra pela rampa da Avenida Maracanã. Parece que a providência não surtiu efeito, pois grupos de torcedores radicais passaram a se encontrar fora do estádio para resolverem suas diferenças na base do cacete, em confrontos que muitas vezes terminam com a morte de algum deles. Ir sozinho ao estádio, vestindo a camisa do clube preferido, passou a representar risco de vida. Tem que andar em grupo ou em gang.
A violência livre e solta nos estádios só poderia resultar em queda nas arrecadações. A média de público nos jogos campeonato brasileiro gira hoje em torno de 20 mil pessoas. No Maracanã, quando ainda estava aberto, um público de 60 mil pessoas era comemorado com euforia pela cartolagem.
A pergunta é inevitável: teria sido o espetáculo do futebol irremediavelmente contaminado pela violência que se espalhou pelas cidades brasileiras ou campanhas educativas e uma atuação efetiva da polícia na proteção aos frequentadores – que não vão ao estádio para brigar – teriam evitado essa fuga dos torcedores?
Esta breve regressão ao passado me ocorreu porque esta semana, nos Estados Unidos, dois torcedores da equipe de beisebol dos Dodgers, de Los Angeles, agrediram, com tacos do tipo que é usado pelos atletas, um torcedor que vestia uma camisa da equipe adversária dos Giants, da vizinha cidade de San Francisco, na Califórnia. O incidente foi no estacionamento do estádio e o torcedor agredido, pai de dois filhos pequenos, está hospitalizado em estado grave.
Não se sabe exatamente como começou a agressão, o que se sabe é que o sinal de alerta acendeu e imediatamente veio a reação oficial. O prefeito e o chefe de polícia da cidade de Los Angeles e o executivo do time dos Dodgers foram para TV e numa entrevista coletiva repudiaram energicamente a agressão e prometeram aumentar a segurança nos estádios. Os próprios torcedores dos Dodgers fizeram o retrato falado dos dois agressores que estão sendo agora caçados pela polícia.
Claro, Brasil e EUA têm culturas diferentes. Mas o que prevalece no caso estadunidense é a política do cortar o mal pela raiz. O que está em jogo é o negócio do esporte, que é tratado de maneira profissional pelos executivos das equipes e da liga que administra o campeonato. Eles sabem que se não jogarem duro contra os desordeiros estarão matando a galinha dos ovos de ouro. Por isso, é uma tradição ver torcedores com camisas da equipe adversária lado com os torcedores do time da casa. Quem assiste aos jogos da NBA no Brasil já viu essas cenas na TV.
Uma franquia de um clube esportivo nos EUA custa uma grana preta – agora mesmo a tradicional equipe de basquetebol do Detroit Pistons foi vendida por 360 milhões de dólares. O esporte é um negócio como outro qualquer e os investidores querem retorno e, naturalmente, lucro. Para isso contam com uma bem azeitada estrutura da Liga, que cuida com mão de ferro da disciplina entre os jogadores e da proteção aos frequentadores dos estádios.
Sei que é um sonho quase impossível a profissionalização do futebol no Brasil, conduzido que é por torcedores apaixonados que não têm uma visão global do esporte ou por aproveitadores que usam o clube como trampolim para a política. Mas, como diz a letra do samba-enredo da Mocidade Independente de Padre Miguel, de 1992, “sonhar não custa nada”.
Em tempo: “Se eu soubesse que era para isso, eu não teria feito o negócio”. A frase de um dos vendedores da arma que acabou com as jovens vidas de Realengo não chega a surpreender. Ela revela a mentalidade de atravessadores do comércio clandestino de armas, comandado em muitos casos por gente que trabalha na proteção da sociedade. É só ter vontade política para investigar até o fim.
{ Direto da Redação }
Publicado em 01.05.2011