1964, 2016


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O golpe de hoje e de ontem

“A América Latina, e não apenas o Brasil, vem conhecendo, desde muito tempo, regimes de força impostos pela violência militar e repousando todos, ultimamente, na mesma doutrina, a chamada ‘doutrina de segurança nacional’, que consiste em colocar o Estado, em cada um, a serviço das multinacionais, sob o pretexto de que o inimigo é o próprio povo de cada um desses países, contra o qual deve ser acionado um aparelho repressor ricamente dotado de meios para o uso da violência.”

(Nelson Werneck Sodré, Capitalismo e Revolução Burguesa no Brasil)

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I

O que há de comum entre o regime militar iniciado em 1964 e o atual governo de Bolsonaro/generais não é somente o uso de dita legislação que versa sobre a “segurança nacional” – legislação caduca, mas que não cai por desuso (pelo contrário, ela é resgatada sempre que as classes dominantes precisam centralizar poder para enfrentar o perigo da revolução). Essa legislação, que Sodré explora na obra em que está a citação que abre esse texto, é fruto das sucessivas ações planificadas das forças armadas reacionárias no sentido de romper, intervir, tutelar e garantir.

Ontem e hoje, buscam os militares romper o ordenamento jurídico-legal em que algumas letras mortas dizem haver liberdades democráticas; intervir ali onde julgam ser os pontos quentes do país, aqueles em que se concentram as contradições mais agudas que, julgam eles, sem o seu manejo perigam fugir do controle; tutelar a todos as forças políticas que atuam seja em qual esfera da política nacional [1]; garantir, enfim, que o velho regime burguês-latifundista pró imperialista siga de pé.

Temos, porém, uma diferença fundamental entre 64 e os dias de hoje: a busca por não promover uma ruptura completa com os marcos legais. Claro, ontem e hoje os golpistas, de pijama ou de uniforme verde-oliva (ambos manchados de sangue operário e camponês), dirão que atuam no sentido de garantir a Lei e a Ordem. Porém, nos anos 60 do século passado, havia a submissão total à doutrina de segurança nacional promovida pelos USA em contexto da “guerra fria”. Atualmente, os milicos, igualmente submissos aos ditames do Tio Sam, versam em outro tom: o da estabilidade, legitimidade e legalidade [2].

De modo que temos, hoje, um governo militar diferente, e com o mesmo selo de lacaio da política fabricada pelos ianques. E inclusive tendo mais militares em altos cargos do que em todo o regime iniciado no 1º de abril de 64. Comparados aos atuais 350 mil mortos, os verde-olivas de hoje superaram seus predecessores: promovem um genocídio ao menos 800 vezes maior, nos números oficiais, do que o praticado no período entre 64-85 [3]. Cada militar que hoje ocupa um cargo governamental carrega nas costas 58 brasileiros mortos na pandemia.

II

Não se trata de ser melhor um ou outro, o antigo ou o atual. Se trata de remover a raiz de todo o mal, o velho Estado burocrático-latifundiário, cujo sustentáculo são as Forças Armadas reacionárias. Querer buscar algo de bom naqueles tempos odiosos significa tão somente ladainha, nada mais.

Naqueles idos tempos algumas poucas dezenas de jovens militantes comunistas, deslocados meses antes para o Sul do Pará, decidem dar um grande passo para o povo brasileiro. A Guerrilha do Araguaia inicia-se em 11 de abril de 1972 após descoberta do inimigo, que impôs a antecipação do início da primeira tentativa de iniciar a Guerra Popular Prolongada em nossa pátria. Não menos que três expedições com milhares de soldados do “Exército de Caxias” foram necessários para derrotar esses jovens armados com alguns fuzis, armas de caça e uma poderosa ideologia que guiava sua ação.

Em seus devaneios, os generais golpistas de hoje buscam repetir as façanhas dos gorilas de antigamente: incendeiam seus dedos redigindo artigos de opinião afirmando que terá guerra civil.

Os menos desorientados entre eles enxergam o perigo que representa a explosão social no justo momento em que a briga intestina no ventre das classes dominantes ameaça levar todo o país ao caos e à barbárie das 5 mil mortes diárias – daí que propugnam a estratégia mortal da estabilidade, legitimidade e legalidade (que atende às ilusões dos liberais constitucionalistas de nossa época clamorosos por militares sãos, tais qual Mourão ou, quem sabe, … Geisel!!!). Outros, por estarem próximos de serem os alvos da sanha do povo, dizem que todo “esquerdista” deve ser eliminado, confundindo, inclusive, revisionistas e os verdadeiros lutadores do povo.

III

Na primeira semana do mês de abril, veio à tona uma fala do Governador de Rondônia em uma reunião ocorrida com único propósito de discutir a repressão à luta pela terra no Estado. Ali se disse que os camponeses de Rondônia serão varridos do mapa, serão presos e terá fim a saga da luta pela terra com a extinção da Liga dos Camponeses Pobres – sonho! [4]

À época do regime militar de 1964, nas prisões, os presos políticos pichavam as paredes das celas frias com as palavras: “O sul do Pará é o norte do Brasil”. Hoje, quando cresce a luta sagrada por um pedaço de terra e o anseio por destruir o latifúndio, a semelhança com o Araguaia reside no fato de que existe uma grande esperança por um Brasil novo partilhada por milhões de camponeses organizados. Nesse sentido, podemos dizer: o Sul de Rondônia é o norte do Brasil.

Relembrar a resistência ao regime militar fascista, particularmente de seu exemplo mais alto, o da experiência ocorrida no Araguaia, é tarefa premente não apenas política, mas ideológica. Elevemos ao pedestal que merecem estar todos os combatentes, militantes e guerrilheiros daquela heroica jornada.

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Notas:

[1] Sobre isso, não há espaço para dúvidas: o Exército sai do palco para manejar, de cima, os fantoches que entraram em cena em 1985. É o que revela Villas Bôas em sua autobiografia quando fala, por exemplo, que nas vésperas do final do governo de Cardoso contou com a bancada do pecedobê para impedir que fosse pautada Projetos de Leis que remexeriam na Lei da Anistia;

[2] A estratégia em torno dos três eixos foi publicizada pela primeira vez pelo general Villas Bôas;

[3] As cifras oficiais subestimadas dos mortos do regime militar é de 434 mortes e desaparecimentos;

[4] É o que revelou a reunião ocorrida no dia 29/03 entre governador de Rondônia, secretários de segurança pública, o secretário de segurança, coronel José Hélio Cysneiros Pachá (carniceiro que em 1995, em Corumbiara, esteve envolvido em assassinatos e torturas de camponeses), e um secretário do governo federal, ex-UDR, que esteve presente na reunião.

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