Chutes do Saldanha

Reprodução/www

Reprodução/www

Assinado pelo Roberto Porto, este é outro texto do sítio “Direto da Redação” repassado aqui no Lado D.

Mesmo que o maior intuito do escrito é publicar alguns causos do João Saldanha na convivência com o autor, a ida ao estádio do Botafogo (RJ), no primeiro parágrafo, de “carona no folclórico lotação alvinegro” e ao lado dos craques do clube, não passa despercebida. Em 1958!

Se era julho daquele ano e a Copa da Suécia terminou em junho, a carona teve a presença de alguns alvinegros campeões do mundo pela Seleção Brasileira! (Ricardo S.)

. . .

Johnny without fear

por Roberto Porto

Rio – Meu primeiro contato pessoal com João Jobim Alves Saldanha (1917-1990) ocorreu a 13 de julho de 1958, após um jogo Botafogo x Fluminense na abertura do Campeonato Carioca daquele ano. Através de Sônia, uma de suas filhas, consegui uma carona no folclórico lotação alvinegro do Maracanã a General Severiano, ao lado de meu irmão Carlos Porto (autor do projeto arquitetônico do Engenhão). De General Severiano para Laranjeiras, onde morávamos, era mais fácil pegar uma condução. Para nós dois, foi uma honra seguir ao lado de Nílton Santos, Didi, Paulo Valentim e tantos outros que foram campeões cariocas no ano anterior.

Os anos se passaram – de maneira fulminante – e só fui me encontrar com “Johnny Without Fear” (João Sem Medo) na editoria de esportes do Jornal do Brasil em 1974, na qual ele era colunista e eu, subeditor. Ficamos amigos, a tal ponto que consegui que ele e seu suposto “inimigo” Sandro Luciano Moreyra (1919-1987) fossem à minha nova casa, à Rua Ribeiro de Almeida, em Laranjeiras. Mas João sempre me deu algum trabalho. Chegava cedo à redação, pilotando seu Fusca 1300, e me entregava a coluna sem um único e escasso parágrafo. Eu, pacientemente, reescrevia tudo, sem mudar o sentido do que ele escrevera, só colocando os necessários parágrafos.

O mais difícil era decifrar o espaço um que ele batucava em sua máquina.

Certa vez, em 1976, o editor de esportes João Máximo, me entregou a tarefa de escrever o funéreo da venda de General Severiano à Vale do Rio Doce. Modéstia à parte, a matéria levou um dos melhores títulos que bolei em minha carreira (“Botafogo vende sua história a metro quadrado”) e foi apontada como a melhor da Editoria de Esportes daquele distante ano. Enquanto escrevia a matéria, na redação, João veio por trás de mim e fez a seguinte pergunta:

– Roberto, o que você está escrevendo?

Respondi na lata:

– O fim de General Severiano…

João, então, fez a correção que lhe parecia fundamental:

– Você não pode deixar de contar aí a história de como conseguimos definitivamente o terreno. No meio do matagal, havia um barraco de um português que consertava charretes, carruagens, tílburis e outras coisas mais. Eu chamei uma rapaziada, inclusive o Sandro, e, certa noite, tacamos fogo no barraco…

Sandro Moreyra, que estava perto, veio a mim e perguntou:

– O que o João lhe contou?

Expliquei a história que João havia me passado e Sandro, sério, fez a observação:

– Roberto, o João nasceu em 1917, eu em 1919. Como é que poderíamos estar presentes a esse ato de atear fogo a um barraco, que ocorreu em 1912?

Eu sabia, de antemão, que o terreno de General Severiano (hoje de volta ao Botafogo) fora cedido a título precário ao clube pelo médico e político Miguel Couto (1864-1934) e nem tomei conhecimento da “versão” contada por João Saldanha.

Por fim, entre outras mil e uma histórias vividas por mim e João Saldanha, uma ocorreu em Londres, na porta do hotel onde nos hospedávamos. Quando ele me viu esbaforido atrás de um táxi para passar as matérias pelo telex de Temple Station, ao lado do Rio Tâmisa, para o Jornal do Brasil, entrou rapidamente em ação:

– Por que essa pressa, Roberto? Tem um telex aqui pertinho, bem junto ao Hyde Park, e vou levá-lo até lá. Aproveito e passo a minha coluna que está pronta…

Eu nunca havia ouvido falar no tal do telex vizinho ao Hyde Park. Mas, por via das dúvidas, topei a parada. E lá fomos os dois, num frio de cinco graus, à procura da estação de telex. Uma hora de caminhada depois, chegamos a um pequeno bairro, sossegado, onde havia uma única casa em demolição. Sem jeito, João arrumou logo uma desculpa – esfarrapadíssima por sinal.

– Poxa, Roberto, o telex era ali naquela casa. Mas durante a II Guerra, foi atingida por uma bomba V2 dos alemães… É melhor você ir a Temple Station e leve minha coluna com as matérias que você vai despachar…

Eu topei a parada mas fiz uma exigência:

– Olha, João, você me fez andar tanto que agora vai pagar meu táxi…

João meteu a mão no bolso e me deu o dinheiro em libras esterlinas.

Ainda hoje, tanto tempos depois (20 anos passados de sua morte) ainda tenho saudades dos “chutes” de João Jobim Alves Saldanha, um grande companheiro. Mas a história da Bomba V2 foi incrível. Foi ou não foi?

Direto da Redação }

Publicado em 23.09.2010

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.