“(…) A curva tem uma mureta metálica de proteção em sua margem externa. De dia, o guard rail mais parece o parapeito da janela onde se debruça uma coxilha logo à frente.
À direita da ondulação do relevo, há uma área cultivada com acácias para florestamento destinado à indústria de celulose. Recobre o morro a característica vegetação rasteira do pampa, com herbáceas variadas. Pouco à esquerda, mais abaixo, sobrevive uma pequena plantação de milho.
Da coxilha vultosa ao cúbito da curva faz-se um vale. Em qualquer dos pontos mais altos – na margem da estrada, ou no topo do morro – percebe-se a profundidade que tem em sua base fileiras quase simétricas formadas por um arbusto nativo chamado popularmente de vassoura.
O sol valoriza todas as cores do Paraíso. E torna até agradável o acesso da rodovia estadual em curva à direita inclinada até a federal. São nuances de todos os verdes misturados ao dourado da palha do milho e às singelas gotas de vermelho e amarelo das flores do campo adornando os arbustos.
Mas à noite a paleta de pintura confunde todas as tintas, que pela ausência de cores oferecem o preto como resultado. A coxilha desabitada une-se ao céu, que se compacta ao vale, e abraça a mata nativa, a plantação e as árvores exóticas. O inspirado quadro transforma-se em um paredão uniforme tão negro quanto a própria escuridão. (…)”
(Trecho do capítulo 3 – “Curva”)
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Por que acabar?
Os dez0 mais. Conquistas nacionais e internacionais. A saga. Imortalidade. Guia das Copas. As melhores seleções de todos os tempos. A virada inesquecível. Clássicos. Enciclopédias. Contos. Biografia. Centenários. Concepção sociológica. Campeonatos. Escudos/distintivos! Ufa, não são poucos os gêneros e tópicos desenvolvidos no universo esportivo impresso, e apesar da quantidade enumerada – inclusive os temas que não foram citados -, no Brasil é um mercado em desenvolvimento.
Por falar em Brasil, o verde e amarelo, e em livros, um outro Brasil teve um pedaço da sua história registrada no prelo por dois jornalistas, um que também é fotógrafo. Este, o Nauro Júnior, e Eduardo Cecconi, trouxeram um recorte pouco usual para o incipiente, em número de títulos e levando-se em consideração a paixão nacional, mercado das prateleiras esportivas literárias.
O Brasil de Pelotas, clube do interior do Rio Grande do Sul, escrito em loas numa perspectiva historiográfica? Hummm, sim, ali no prefácio, assinado por Aldyr Schlee, escritor e jornalista, desenhista que concebeu em 1953 a camisa canarinha – a própria, a da Seleção Brasileira – mais extenso rol de predicados. Nestas 4 páginas, em frente e verso, lembra em visão panorâmica o Grêmio Esportivo Brasil, primeiro campeão gaúcho, em 1919, sobre o Grêmio, em Porto Alegre… Aliás, a mesma capital que na década de 40 viu o rubro-negro derrotar o “rolo compressor” do Internacional, fase que pela alcunha dá para perceber o que o Colorado andava aprontando nas quatro linhas dos pampas. O terceiro lugar no Campeonato Brasileiro de 1985, não esqueceu do Felipão e das conquistas da década de 2000, modestas mas festejadas. Schlee dá a dica para pesquisar sobre o Brasil, e para os entusiastas do futebol e da história, se ligar na importância do interior… do Brasil. Para não ficar lacônico, dos Brasis!
Das citações cheias de memória e sentimento do “dono” da Amarelinha, Nauro e Cecconi pegam o bastão exatamente no momento atual do clube pelotense, ali pelo título da Segunda Divisão gaúcha em 2004, época na qual começava a tomar corpo o nome Claudio Milar, artilheiro do certame. Outra menção que posso fazer é que foi durante a gestão do Helder Lopes, presidente do time, entre 2007 e 2009. Mas se os grandes feitos haviam acontecido há tempos, por que citar uma segundona, vice-campeonatos e a quase classificação para a Série B, em 2008? Ao longo da curva…
Desde 1911 há bastante história para contar, mas a BR-392 pautou a dupla de jornalistas ao falar sobre o Xavante, autores de “A noite que não acabou” (Editora Livraria Mundial). A tribo xavante, acolhida como símbolo num duelo com o arquirrival Pelotas em 1946, por causa da vitória heroica do rubro-negro no Campeonato Citadino – uma virada de 3 a 1 para 5 a 3! -, a consequente depredação “de alegria” após o apito final, e um filme em exibição na cidade – A Invasão dos Xavantes -, foi flechada numa curva que nem o guard rail teve forças para defendê-la.
Na internet e nas rádios já era notícia, mas o Brasil-País acordou sabendo que após um jogo amistoso preparatório para a Série A do Gauchão, um time sofreu acidente, houve mortes, vários feridos…
Do dia 15 para o 16 de janeiro de 2009, o ônibus que conduzia a delegação do Brasil de Pelotas voltava do município de Vale do Sol após um jogo-treino com o Santa Cruz, de Santa Cruz do Sul, quando trilhou o caminho oposto da faixa e rumou para um precipício, coxilha para os gaudérios, conforme a descrição do excerto acima, do capítulo 3 do livro. A beleza anotada pelos autores em “Curva” não foi suficiente para inibir, em meio ao escuro noturno, o cenário menos desejado pelos condutores e passageiros das rodovias: o acidente!
O saldo de três mortes e 28 sobreviventes-feridos espalhou-se pelo país através, principalmente, dos noticiários esportivos, embora a comoção não tenha ficado restrita aos futebolistas. Em nível diário, infelizmente são inúmeras as vítimas no trânsito brasileiro, mundial idem, só que a ligação com uma marca fantasia que lida com a paixão, no País do Futebol, ganha diferença de outros passageiros que trafegam pelas estradas nacionais. Trabalhadores que são, os atletas da noite que não acaba, é bem verdade, ganharam mais recepção que um caminhão cuja carroceria pudesse estar cheia de boias-frias, também trabalhadores. Peças do sistema. Como o Torino, da Itália, em 1949, tido o clube vitorioso daquele momento, que pereceu em desastre aéreo, ou o Manchester United de 1958, etc.
O desnível e a comparação forçada entre tragédias vem para revelar que, mesmo que fosse de um clube milionário, são pessoas normais e o fatídico trata de nivelá-las. Se milhões de dólares estivessem em jogo, a falibilidade da vida seria a mesma. Ou o que dizer sobre voltar a jogar 19 dias depois, isentos de condições psicológicas e físicas para 90 minutos e a ansiedade de uma torcida fanática? Recrutar tantos outros jogadores com a grana curta, qualidade questionável e em cima da hora? A cruz e a espada do capital, ou como cantou Ney Matogrosso a letra de Antonio Barros: “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”!
Na estrada do futebol e das cifras, o Brasil, que “precisaria pagar as contas”, fez valer o ímpeto indígena, guerreiro, e encarou um filme que, tradicionalmente, a invasão dos xavantes perderia novamente. Ao final, o rebaixamento telegrafado traduziu-se em uma vitória técnica apenas – na última partida -, mas uma goleada de garra e a criação da aura de verdadeiro imortal. Como os xavantes originais, caçados pela expansão comercial, os xavantes da região sul do Rio Grande do Sul sentiram o peso das engrenagens, porém, a aura – ela de novo – não tem consistência física. Não morre. E não seria numa noite, sob os efeitos de uma curva mal sinalizada e contornada pela imperícia, imprudência ou negligência, que iria acabar. Por que haveria de acabar?
Em linguagem inspirada pelo Jornalismo Literário, como o próprio Cecconi admite e o leitor atento pode constatar, o tema pouco usual para sair do prelo para as mãos dos leitores perdeu a gordura do infortúnio. Feitos por quatro mãos hábeis no assunto, os oito capítulos transformam o negativo em aprendizado, as dores como cartilhas da vida, pano de fundo para a realidade que nem o argumento nocivo do “esses caras ganham milhões pra jogar bola” faz sentido. O cotidiano registrado em 44 fotografias, em ótima impressão, contribuem com a transposição do lúdico do esporte bretão, composto por pessoas de carne e osso, para o flerte deste com o trágico. Os autores usam a malfadada curva para expor relações pessoais, desde as familiares, passando pelas midiáticas, futebolísticas, e culminando com o que move o circuito boleiro: a torcida.
Este livro-reportagem sublima o sintoma da morte ou o interesse ligado aos fãs do futebol, passa longe de uma transcrição de obituário ou laudo de necrópsia sensacionalistas. Se espremê-lo, o que não sairá é sangue, e sim uma história de carinho ao próximo, ainda que o carinho, na velha sociedade competitiva, possa ser medido em 15 mil pagantes na primeira partida e terminar em 200 e poucos. Possa ser insuficiente para uma doente cegueira futebolística, onde o rival zomba do flagelo do “inimigo” e de si mesmo, quando não o fere com porretes e armas de fogo. Mas pode também conquistar novos admiradores. Ajudar a entender a História. Golear a ignorância ao não escalonar os trabalhos por importância de rendimentos, ao inverter ou expandir o significado da vitória e da derrota. Ao comprovar que há muita coisa além da curva.
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O Lado D manteve contato com um dos autores, Eduardo Cecconi, e falou sobre o livro, os blogs que prepararam o terreno para a versão impressa deste tributo ao futebol do interior – e um posterior -, e naturalmente, Jornalismo, incluindo o Online e o Esportivo (em versão online também). A percepção da fatalidade segue na trilha cantada e escrita de Raul Seixas: “Morte, morte, morte que talvez seja o segredo desta vida”!
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Lado D dos Esportes Olá, Eduardo, prazer em falar contigo! O seu trabalho no jornalismo traz grande proximidade da temática esportiva, na qual utiliza vários formatos de condução da informação (livro, internet, rádio, jornal, etc.). De que forma você concilia todas estas linguagens? O esporte – ou apenas a modalidade Futebol? – foi algo espontâneo e será prioridade nos seus textos e comentários?
Eduardo Cecconi Não vejo dificuldade em se conciliar todas estas linguagens a partir do momento em que o jornalista tem familiaridade com as técnicas mais básicas, mais fundamentais, da emissão de uma mensagem.
Sabendo se expressar conforme a técnica que cada mídia exige, o jornalista precisa entrar de cabeça na elaboração do conteúdo. Vestir a camisa, transformar-se em um personagem.
Para escrever o livro, eu realmente me senti um escritor. Busquei um estilo de texto voltado ao Jornalismo Literário, com maior licença para lidar com os fatos de maneira literária.
Na internet, é o contrário. Matérias têm textos curtos, narrativa objetiva, clareza. Nos blogs abre-se espaço para a opinião, que sempre procuro fazer com embasamento, com alguma fundamentação teórica.
O conteúdo hoje para mim é esportivo, mas já fui correspondente do jornal Zero Hora no interior por quatro anos, escrevendo para todas as editorias e cadernos, desde Polícia, passando por Ambiente, Campo e Lavoura, Política, Economia, Comportamento, Variedades…
E a premissa é a mesma. Para mim o jornalista precisa se adaptar à exigência da editoria para qual produz conteúdo. Se for Esporte, tem que vestir a camisa de jornalista esportivo, se adaptar à linguagem, à abordagem, aos termos comuns. E assim para qualquer editoria.
Enfim, o jornalista tem que ser meio ator, saber interpretar, saber se adaptar a cada papel que lhe exigem – seja escrevendo para mídia online, convencional, produzindo livros, falando no rádio, aparecendo na TV… lidando com Esporte, Política, Economia… partir do domínio da técnica para a aplicação das particularidades de cada área.
LDE Certamente, não há dificuldade para assimilar e desenvolvê-las, mas é perceptível a oposição espontânea, quase sempre comodista, de grande parte dos profissionais e estudantes, no caso, de Comunicação… Cecconi, falando sobre uma primeira delas, a do Jornalismo Online, como foi a experiência com os blogs “Cidade Futebol” e o “Entrevero”? Pode falar também sobre o novo projeto, o “Preleção”!
EC A criação de blogs no clicEsportes parte muito da iniciativa pessoal dos redatores do site, ou de repórteres de outras mídias da empresa. Mas, quando eu era correspondente da ZH em Pelotas, não sabia desta possibilidade. E criei um blog para falar sobre o futebol pelotense, à época no Blogspot.
Os editores do clicEsportes – André Roca e Leonardo Corrêa – viram o blog, gostaram, e propuseram uma migração para o site. Nascia o “Cidade Futebol”, que levou este nome pela característica dos torcedores de Brasil, Pelotas e Farroupilha.
O blog marcou época na cidade. Ele nasceu no segundo semestre de 2006. A imprensa local não contava com sites ou outros blogs. Em um ano, o Cidade Futebol bateu de primeira vários furos jornalísticos, chegou a 40 mil acessos mensais, e conquistou um público fiel – principalmente de jovens torcedores ligados ao Xavante.
Em 2008, fui convidado para tocar o “Gauchão Total” – um projeto multimídia – ainda como correspondente da ZH em Pelotas. O Gauchão Total era um blog sobre o futebol do interior, que contava ainda com uma coluna semanal na Zero Hora. Mas era sazonal, e após o final do Gauchão daquele ano, ele foi encerrado.
Ainda em 2008, em fevereiro, eu me transferi para a redação do “clicEsportes” em Porto Alegre, e pelo distanciamento – que dificultava a busca por informações e furos, e também impedia a análise de jogos in loco – aos poucos tive de encerrar também o Cidade Futebol. Foi bem triste, porque eu tinha me afeiçoado a toda aquela comunidade. Quando “fechei” o blog, já pipocavam na imprensa local outros tantos blogs e sites de radialistas, motivados pelo pioneirismo do Cidade Futebol. E estes colegas fazem um belíssimo trabalho de informação e opinião lá em Pelotas, usando a Internet.
Para compensar, criei o blog “Entrevero” – uma espécie de Gauchão Total sem a sazonalidade. Cobertura de todos os campeonatos que envolvem clubes do interior do Estado. Formou-se uma rede de colaboradores voluntários (assessores de imprensa dos clubes, radialistas e jornalistas de várias cidades, torcedores, estudantes de Jornalismo) que me enviavam informações sobre os times locais. E assim o Entrevero cresceu muito.
Mas fui fixado pelo clicEsportes como setorista de Inter, e vivi o mesmo dilema do Cidade Futebol: um distanciamento que começava a comprometer a qualidade e a pontualidade dos conteúdos. Para evitar seu encerramento, convidei o Guilherme Mazui para assumir o comando, e ele está fazendo um trabalho de altíssimo nível.
O blog “Preleção” nasceu da minha predileção por análises táticas. A ideia é criar um fórum de debates sobre teoria tática. Fiz curso de técnico de futebol, e procuro sempre nos textos e diagramas abdicar da simples opinião, para focar na análise criteriosa, nos argumentos, na aplicação da teoria na prática. Apesar do público de futebol estar mais acostumado a opiniões polêmicas, a audiência está boa, e também se formou uma comunidade de debatedores em alto nível.
LDE Ih, saiu da “comunidade” em Pelotas, passou com o Entrevero para o Estado, agora é estrategista, vai assumir um dos times do interior. Logo, logo, vai ser “professor”… Quando você cita que em 2006 o Cidade Futebol teve certo pioneirismo no ciberespaço, e depois constata a profusão de sites, no seu nicho a partir de 2008, como observa a facilidade em criar um espaço na internet, jornalista ou não? Encara como reserva de mercado ou acha salutar para a editoria – que pode descobrir novos talentos, outras perspectivas de discurso?
EC O pessoal brinca bastante com a possibilidade de eu me tornar técnico, mas realmente fiz o curso e procuro me manter atualizado com leituras e pesquisas sobre teoria para embasar minhas análises. A intenção é qualificar o discurso e fugir da simples opinião, do achismo, para buscar justiticativas mais específicas sobre teoria tática.
Sobre a disseminação de espaços alternativos à grande mídia na internet, muitas vezes comandados por pessoas que não são jornalistas, eu não tenho ressalvas. Pelo contrário, por serem sites ligados às comunidades locais, eles servem com excelente fonte de consulta para espaços como o Entrevero.
Muitos clubes do interior não têm estrutura para contar com assessoria de imprensa, as rádios às vezes não têm sites com bom streaming ao vivo… cenário que faz destes sites a fonte de informação mais próxima do clube. Analisando-se o conteúdo, se tiver credibilidade e qualidade, saúdo estas iniciativas.
LDE Queria saber da sua prática em rádio, jornal, e possivelmente em tv. Comparada com estes, a internet, por motivos óbvios de hipertexto, interação e multimídia, é decisiva na “democratização” da informação dos clubes e modalidades, de forma a despertar, finalmente, a atenção das empresas de comunicação metropolitanas, ou permanece o caráter microrregional e estanque capital-interior?
EC Trabalhei em jornal e rádio, e também em assessorias, muitas vezes em funções não relacionadas à editoria de Esportes. Nas capitais, eu noto uma indiferença com o futebol do interior. Concordo que a internet abra espaço para que estes clubes menores, mas de grandes e tradicionais torcidas, apareçam em fontes consagradas de informação.
Com o Entrevero, hoje é possível vermos o Guarany de Camaquã, o Três Passos ou o Lajeadense recebendo destaque em chamadas de capa de um site com a força e a audiência do clicEsportes. Isso não tem preço para o futebol do interior.
Por isso os torcedores abraçaram o blog (foi assim também com o Cidade Futebol e com o Gauchão Total). Eles gostam de se ver, de ver seus clubes, sendo valorizados em um portal que centraliza no Brasil a cobertura – e a audiência, logicamente – de Grêmio e Inter. É muito legal ver estes torcedores se mobilizando para trazer mais gente ao blog, para movimentar os comentários… é um esforço para mostrar a nós que vale a pena manter o blog, que vale a pena lutar pelos clubes do interior, que vale a pena ter espaço também para os “pequenos” – que na verdade são grandes e tradicionais – na grande mídia.
LDE Após todas estas visões sobre Comunicação, no que aproveito para ir lá no livro e reproduzir a sua influência por Gay Talese e Truman Capote, quais as virtudes e os entraves para desenvolver o Jornalismo Esportivo? O que ele pode ter de “social” em meio a tantos negócios?
EC É bem complicado lidar com alguns princípios norteadores da boa produção jornalística no ambiente esportivo. O conteúdo de futebol envolve e provoca sentimentos muito ruins em algumas pessoas, a prova está no grande número de mensagens impublicáveis que se recebe nos meios de interatividade. O maior bem social que se pode fazer em uma editoria que não parece ter outra função que não o entretenimento, no primeiro momento, é ser responsável. Escrever sempre com a responsabilidade necessária para não instigar mais sentimentos ruins, mais manifestações agressivas. Do contrário, para aplacar este afã belicoso. É por isso que no blog Preleção eu falo apenas de teoria tática, sem dar opinião. Porque a opinião às vezes é encarada de maneira ofensiva por quem não concorda. E com teoria o debate fica mais agradável.
LDE Pelo visto você não perdeu ou perderá o contato com o futebol interiorano… Com tamanho interesse em desenvolver o espaço destes clubes para além-fronteiras através de informações “normais”, “A noite que não acabou” certamente exigiu outra perspectiva de construção, já que lida com o infortúnio. Como foi o seu primeiro contato com a notícia do acidente e de que maneira houve a possibilidade de estrear no universo dos livros com a temática da perda?
EC Certamente meu vínculo com o futebol do interior é eterno. Estou sempre acompanhando e torcendo pelas comunidades tradicionais do futebol gaúcho.
Sobre o livro, foi muito difícil reconhecer o sofrimento de tantos amigos xavantes, e ainda mais difícil ver a morte de um grande amigo – pois assim eu considerava Milar. Ele era para mim um ídolo e um amigo, na mesma medida. A iniciativa partiu do Nauro Júnior, que me convidou para escrever, enquanto ele faria o planejamento, a produção, a parte gráfica, e participaria com alguns textos. E eu só aceitei participar do projeto porque sabia que, do Nauro, não partiria nenhuma intenção sensacionalista. Conversamos e entramos em acordo: vamos fazer jornalismo, sem explorar a dor que nós sentimos, mas principalmente a dor que uma nação sentiu. Novamente, aí entra a responsabilidade.
LDE Na introdução, vocês anotam que o conteúdo da obra ganhou forma a quatro mãos – oito capítulos, dois para um, seis para o outro -, sendo que o Nauro Júnior é co-autor e responsável pela parte fotográfica e dos dois citados. Qual a dinâmica para juntar tantos dados de atletas e comissão técnica, familiares, jornalistas da cidade, infra-estrutura de resgate ante o acidente – vizinhos do local, corpo médico, delegacia, etc.?
EC Foram seis meses de produção, que incluíram entrevistas com mais de 100 pessoas, seja pessoalmente, por telefone ou MSN. A cada entrevista tomávamos conhecimentos de outros personagens, formando um emaranhado de fios cujas ligações eram difíceis de se encontrar. Em um processo como este, com tantos personagens e narradores paralelos, tivemos de fazer escolhas na hora de confrontar versões. Sobre o texto, eu centralizei a formatação para que o estilo se mantivesse, reunindo o material que o Nauro me enviou – o primeiro e o último capítulo – sem desestruturá-lo, mas pintando com algumas cores da escrita utilizada nos outros seis capítulos. Assim pudemos construir uma narrativa sem quebra de estilo.
LDE E a inclusão do prefácio do Aldyr Schlee, que importância agregou ao livro?
EC Foi a maior importância possível. Schlee é amigo do Nauro há muitos anos. Ele foi nosso mentor na escrita. Como um orientador para formandos. Ele nos apontou caminhos, como grande escritor que é, na costura da linha de raciocínio que apresentamos na ordem dos capítulos. Deu dicas de escrita, de planejamento. É uma pessoa fenomenal. Oferecer a ele o prefácio foi uma maneira de agradecer pelo carinho e pelo envolvimento de uma pessoa tão consagrada em um projeto de estreantes. Ele se emocionou, nós nos emocionamos, e o resultado foi uma obra-prima da paixão xavante, escrita por um xavante, para a nação rubro-negra.
LDE A palavra “repercussão” é imprescindível no que tange ao acidente, pois a comoção e a mobilização em prol do Brasil teve enormes proporções, por motivos óbvios. O próprio registro literário de vocês também experimentou este cenário, quando 8, 9 meses após a tragédia, na fase de lançamento, os exemplares foram esgotados… As passagens do público em Pelotas acolhendo o time é arrepiante – um dos grandes momentos da obra.
EC Eu tive muito medo da repercussão. Por mais que Nauro e eu tivéssemos acordado em não explorar de maneira nenhuma a tragédia com sensacionalismo, a própria iniciativa poderia ser mau vista. A todos que nos procuravam eu dizia: “Esperem o resultado, não elogiem nem critiquem agora. Vejam depois, e quero muito ouvir de todos o que acharam”. Graças a Deus, a repercussão entre os xavantes foi maravilhosa. Poucos, poucos mesmo, nos acusaram de explorar a dor alheia, ou de fazer sensacionalismo para autopromoção. A grande parte dos leitores reconheceu nosso esforço, e se envolveu com o livro passando relatos emocionantes dos momentos de leitura.
LDE Fale sobre a parceria com a Editora Livraria Mundial!
EC O Nauro, como capitão e idealizador, foi o responsável pelo acerto com a Editora Livraria Mundial. Eles acolheram o projeto e nos deram todas as condições de realizá-lo. Nos ofereceram coisas que talvez não encontrássemos em outros lugares. Assumiram o risco de bancar um projeto de dois jornalistas sem experiência em literatura, de bancar um projeto que envolvia uma nação muito apaixonada, e no fim deu tudo certo. Sou muito grato à força da Editora Livraria Mundial, que nos deu autonomia total na escrita, na condução do projeto, e na parte gráfica.
LDE Tem algo que não foi comentado e que você queira acrescentar?
EC Tchê, sou meio bicho do mato para este tipo de manifestação. Só quero deixar claro que eu devo muito da minha condição profissional à nação xavante, e ao futebol do interior. Eu não seria hoje o setorista de Inter do clicEsportes, nem o analista tático do blog Preleção, se não fosse a paixão dessas comunidades do futebol gaúcho. Sem o sucesso do Cidade Futebol e do Entrevero, eu não teria tanto prazer profissional como tenho hoje. Sou muito grato, e eterno devedor do futebol gaúcho – principalmente, do Brasil de Pelotas e de todos os xavantes.
Texto: Ricardo S.
Imagens: Divulgação/Nauro Júnior
Publicado em 24.06.2010