O Supremo da Terreira Federal


| Divulgação/Tânia Farias |

Nem tardam ou falham. Opressivo retorno eterno reinstala-se, e @s atuador@s da Tribo prosseguem em jornada cênica com o mundo real quando denunciam, sem pedidos de embargos e Habeas Corpus como se Justiça houvesse, o novo desdobramento do Regime de 2016, sem esconder-se atrás de pedidos de embargos e Habeas Corpus. “Delatam” e agem, teatrais, à la El Tribilín de Sabaneta: “¡Y a cada latigazo responderemos con más Revolución, profundización de la Revolución!”. Sigamos juntos; (Ricardo S.)

Teatro como resistência

Nesse grave momento que o nosso país vive, no qual novamente a sombra do fascismo paira sobre os brasileiros, o Ói Nóis Aqui Traveiz reafirma as suas ideias e práticas libertárias. A Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz, com 40 anos de utopia, paixão e resistência na trajetória da cena teatral brasileira, vem compartilhar com o público sua nova encenação teatral: Meierhold.

O mote para este novo trabalho é o legado, vida e obra do grande mestre do Teatro Mundial que intitula a encenação. Ator, encenador e teórico do teatro russo do início do século passado, Meierhold foi preso, torturado e assassinado pelo regime stalinista, bem como o acesso às suas ideias foram proibidas por um largo período de tempo. Coerente com seus princípios, enfrentou, sem jamais se curvar e ceder, à pressão da ditadura stalinista contra a liberdade de criação artística, terminando por cair vítima de sua própria honestidade de artista, da intransigência com que lutou em defesa das suas ideias nos dias sombrios que se abateram sobre a sociedade e as artes russas. Meierhold passa, portanto, de inspiração para evocação, ao qual a Tribo decide realizar para falar sobre arte, para falar sobre teatro como resistência.

A encenação parte da livre adaptação da peça da chamada dramaturgia de “micropolítica de resistência” do argentino Eduardo Pavlovsky “Variaciones Meyerhold” (2005). “Meierhold” mostra o encenador russo num tempo fora da realidade, póstumo, como um espectro que reflete sobre o seu discurso artístico e os relaciona com momentos dramáticos de sua trajetória pessoal: sujeição ao cárcere, violência física e humilhações até o seu brutal assassinato. Na encenação estruturada em fragmentos, Meierhold passa de pensamentos em voz alta a relatos e diálogos imaginários com diferentes interlocutores, como com a sua amada, a atriz Zinaida Reich, também assassinada tragicamente.

O espetáculo utiliza-se de diferentes linguagens e recursos, inclusive audiovisuais, fragmentos de poesias surrealistas e cenografia construtivista que remete à utilizada pelo próprio Meierhold. A cenografia é uma adaptação do dispositivo cênico criado por Liubóv Popóva para “O Corno Magnífico” dirigida por Meierhold. Na encenação estão também presentes elementos dos estudos e experimentos do encenador russo como o grotesco, o teatro popular de feira e a Biomecânica. Ao construir seus espetáculos, Meierhold tinha sempre em vista o objetivo de despertar o público, fazê-lo participar da aventura teatral. A função da arte é soltar um grito de alarme, bradar sua recusa da barbárie e despertar a consciência do ser humano em face do sofrimento.

Vsevolod Emilevich Meierhold (1874-1940) é sem dúvida um dos nomes-chave da encenação e da teoria teatral de todos os tempos. Num primeiro momento ligou-se ao Teatro de Arte de Moscou, dirigido por outro grande do teatro russo: Stanislavski. Abandonou cedo a via naturalista para indagar sua própria concepção dramática – que denominou “teatro da convenção consciente” (1913) – e seus trabalhos experimentais lhe permitiram desenvolver a teoria da Biomecânica (1922), um rigoroso método de preparação do ator que tenta explorar ao máximo suas possibilidades físicas e psíquicas.

Meierhold elaborou também uma encenação revolucionária e instaurou os princípios do moderno conceito de montagem. Apesar da aparente ênfase nas ideias da encenação, Meierhold se preocupou com o lugar do ator no teatro, considerando-o elemento fundamental do espetáculo. O ator seria o ponto chave do espetáculo mais teatral, distanciando-se do realismo e com características mais simbólicas. Havia em Meierhold a preocupação com a questão da recepção do espectador em relação ao teatro. Para ele, deve-se deixar para o espectador um espaço para que a imaginação possa preencher e contribuir para a completude da obra.

Engajou-se com entusiasmo na Revolução Russa, transformando-se num importante militante cultural. Defendeu sempre ardorosamente os princípios do seu teatro criticando seus adversários de “ter cometido o crime de castrar a imaginação criadora do teatro russo – o melhor teatro do mundo – transformado em um teatro extremamente tedioso e carente de imaginação”. No Primeiro Congresso de Diretores, em 1939, defendeu o direito à liberdade de expressão e de pesquisa como armas revolucionárias. Logo em seguida, Meierhold foi preso. Dias depois Zinaida Reich foi encontrada degolada em seu apartamento em Moscou. Meierhold foi brutalmente torturado aos 66 anos. Inventaram contra ele acusações de pertencer a organizações trotskistas e ser espião de potências estrangeiras. Escreveu uma carta a Molotov, integrante do Comitê Central do Partido Comunista, explicando-lhe sua situação, que nunca foi respondida. Meierhold foi executado em 2 de fevereiro de 1940, com uma bala na nuca, ao fim do simulacro de um processo.

Durante quinze anos seu nome foi proibido em todas as publicações da União Soviética. Só a partir de 1967 seus textos começaram a ser publicados em russo. Com o final da União Soviética no início dos anos 1990 os seus restos mortais foram encontrados e Meierhold recebeu uma sepultura no Donskoy Monastery de Moscou. Por tudo isso é importante lembrar Meierhold: um dos encenadores mais importantes da história do teatro e pelos brutais assassinatos seu e de sua mulher durante o stalinismo.

A Tribo encontra, a partir da história de Meierhold, a oportunidade de refletir e se posicionar frente ao seu tempo e afirmar, mais uma vez, o papel imprescindível que cabe ao teatro dentro de um projeto utópico de construção de uma nova sociedade, da imaginação criadora como potente instrumento de transformação, da estética como arma revolucionária. A história de Meierhold não deixa de nos questionar sobre o momento e o lugar em que vivemos. A dinâmica da encenação busca perguntar aos espectadores como Meierhold nos afeta e nos comove no Brasil de hoje. Paradoxalmente, por meio das urnas, a nossa frágil democracia está ameaçada por um projeto de poder neofascista, de caráter neoliberal e policial. Nos próximos anos a desigualdade social na nossa sociedade, perversa e excludente, que mantém os resquícios da escravidão, só vai aumentar com a venda das nossas principais riquezas. Arte, cultura e educação neste governo serão terra arrasada. Enfrentando todas as dificuldades econômicas e os perigos do pensamento autoritário, o Ói Nóis Aqui Traveiz está onde sempre esteve, combatendo o fascismo, o ódio e a intolerância em defesa da democracia, da liberdade e da justiça social.

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