A realidade em caleidoscópio

21-07-2015a

É comum achar que quanto mais tempo tiver à disposição, maior a chance de expandir determinado tema. Embora não seja regra, isso procede, e até o ditado popular, quando afirma que “a pressa é inimiga da perfeição”, contribui para este pensamento. No jornalismo, tal sabedoria oral não está tão em voga, pois as redações insistem em virar uma linha fordista de montagem de notícias, onde nem sempre a qualidade da informação é o aspecto almejado.

O embalo da esteira jornalística ganhou velocidade com advento da Internet, que de 1995 para cá, transformou-se em negócio, chega inexoravelmente às casas de quase todos os recantos do mundo e ajuda a cunhar estes dias como “A Era da Informação”. A imperfeição do ritmo acelerado, então, se junta à concepção mercadológica crescente e, como se não bastasse a tendência à superficialidade do conteúdo, faz das empresas de comunicação uma espécie de refém – permissivo – dos patrocinadores.

Por mais que se saiba da inatingível imparcialidade, torna-se desnecessária a sujeição, pois nem toda noticiabilidade carece de potencial de confronto, porém, consegue atrair a atenção ao ser condutor de vários pontos de vista. Esta polifonia de discursos vem garantida, por exemplo, além da condição de uso público, com o programa “Outro Olhar”, da TV Brasil. Aliás, é um trabalho cuja duração – entre um minuto e meio a três minutos – convida a crer que seja fruto da pressa, mas ao ser desenvolvido através de pontos de cultura, grupos sociais e cidadãos comuns no papel de cinegrafistas amadores, apresenta a realidade em vídeos.

Tanta diversidade envolve até o nome do programa, o qual de fato é um quadro do telejornal “Repórter Brasil”, exibido pela manhã e à noite, e apenas no período matinal no espaço radiofônico. Só que recortado do contexto do jornal, transforma-se em programa, tem vida à parte e faz uso do jornalismo participativo, uma das bandeiras da Empresa Brasil de Comunicação – EBC, que gere, entre outros, a própria TV Brasil.

Conforme o esperado, o cenário televisivo no país é concentrado, em nível de audiência, nas emissoras particulares de tevê aberta, que têm no entretenimento a característica predominante das suas programações. Distantes do apelo publicitário, da diversão gratuita e mesmo da qualidade do sinal na recepção, as tevês públicas seguem pela credibilidade do caminho educativo. Fundada em 2007, a TV Brasil mantém, desde o primeiro momento, o “Outro Olhar”, em sintonia não só com a audiência. Busca ampliá-la quando convoca o cidadão “pessoa física”, entidades, a colaborarem na produção. Paralelamente, a acessibilidade da tecnologia (câmeras fotográficas e audiovisuais, em qualidade digital) e a Internet, com o repositório do conteúdo, possibilitam consumos e distribuição pessoais, a qualquer momento.

Em rádio e televisão o quadro pega carona no Repórter Brasil, mas na rede mundial de computadores, com canal no YouTube, conquista o perfil independente das pautas abordadas e encerra na convergência de mídias. Ou seja, experiências da cultura brasileira, e até do exterior, são registradas e encaminhadas através de e-mail e nos formatos audiovisuais pré-estabelecidos. Diante de tamanha participação colaborativa, natural que a produção libere o conteúdo para a reprodução – inclusive porque ela também faz uso de outros vídeos -, ressaltando a citação da fonte. Assim, direito e ética, da imagem e jornalísticos, confundem-se com a exposição de personagens de pouca visibilidade social.

Incêndio no Morro dos Cabritos; torcedores que dormem numa fila para comprar ingressos do Campeonato Brasileiro; conversa com Dil Romano, interno do Instituto Pinel; quilombos urbanos; lavadeiras em Sergipe; cinema nigeriano; plebiscito na Venezuela; remoção de vilas. De 2007 para cá, centenas de episódios do cotidiano foram registrados por aprendizes e cineastas, de temas da moda aos quase invisíveis, todos catalogados e prontos para serem vistos e revistos, de olho nos direitos individuais e coletivos e no exercício da ética fora da ordem previsível de grande parte das televisões. Sai a praxe do cidadão ridicularizado e entra a sua voz, sem jornalismo chapa branca ou censura de patrocinador, na migração do mass media para o self media.

* Para saber mais: *
. http://www.youtube.com/user/outrolhar .

(Recentemente, o Outro Olhar está na grade do canal de vídeos da TV Brasil)

por Ricardo S.
Imagem: Reprodução/www
(Publicado originalmente em 2011)

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