Desde a cena de abertura, na qual Ivan (Marco Ricca) e Gilberto (Alexandre Borges) conversam com um terceiro, cujo cartão de visitas é a voz, é tenso o clima dos 90min de “O invasor”, terceiro longa-metragem do diretor Beto Brant. Para os, digamos, roqueiros, mesmo que tenham acesso ao filme sem ler algum comentário ou ver o cartaz, não é difícil saber que trata-se do Paulo Miklos, dos Titãs.
Nessa produção de 2001, Brant mantém a linha “cospe-fogo” urbana de “Os Matadores”, de 1997, o primeiro dos seus atuais 6 longas, que trouxe para as telas um dos destinos da engrenagem do furto e roubo de carros no Brasil: a fronteira com o Paraguai! Mais urbano por ser na metropolitana São Paulo, longe das cidades do interior do Paraná e Mato Grosso do Sul, a encomenda de O Invasor não é de carros ilegais; o ilegal e a encomenda persistem, mas o objeto é uma vida humana.
Ivan, Gilberto e Estevão (George Freire) são sócios de escritório de engenharia civil, uma construtora, e como reza um dos mandamentos de sobrevivência – ainda que traga a morte – na selva de concreto, passar a perna no próximo é vital para que o pretenso status quo não desça pelo ralo, ou o mesmo sadismo, só que “espontâneo”, sujar por sujar.
Embora não seja exclusividade dos grandes centros, a encomenda de um assassinato é o ponto para o qual convergem os personagens desse thriller policial. Feito em 2001, época de ressurgimentos do cinema no dito Terceiro Mundo, naquele momento a violência urbana era uma das vertentes constantes das produções em países fora do eixo estadunidense e da Europa Ocidental, como México, Colômbia e Argentina, para citar a vizinhança, sempre acompanhados de ótimas trilhas sonoras dispostas a apresentar não apenas os filmes, mas os países de onde vieram. Detalhe: essa mesma violência não era inédita nos cinemas e tv’s daqueles países “desenvolvidos”, inclusive por terem bastante influência na exportação desse gênero para o resto do planeta, tanto para as sociedades que passam por guerras quanto para as locadoras e salas de exibição.
Pavilhão 9; Professor Antena; Black Alien, Speed e Tejo; Sabotage, Instituto; e alguns mais, juntaram-se ao Paulo Miklos (o invasor em pessoa); só que é o grupo Tolerância Zero quem imprime o astral fóbico da película ao berrar, no refrão, que “Eu, você, a vadia, ninguém presta”. Eu poderia ser o Miklos; você como os dois sócios mandantes do crime; a vadia seria a estreante Mariana Ximenes, Malu Mader, Chris Couto etc.; e o ninguém, a versão sem cortes da promiscuidade moral generalizada.
A trilha, feita basicamente de Rap e Rock bem pesadões, rege o coro de egoísmo que reverbera para tudo quanto é lado da cidade, com um invasor da periferia que conquista a moçoila milionária e dá rolê no seu território, sempre, como em todo o longa, recheado do aparato de gírias paulistanas. Os “bacanas” mandantes (Ricca e Borges) se resumem, ao menos desde o início do filme – com a contratação do serviço ao titã -, em profissionais de sucesso e pequenos adultérios, mistura que é quase o único símbolo do “se dar bem na vida”. Como tais, brigam entre si diante do dilema do querer ou não dar cabo à vida do sócio. Feito o carreto homicida, os tradicionais abraços de conforto dos mandantes e executores nos familiares das vítimas!
Esse choque de interesses profissionais, além de haver lançado músicos para o contexto do cinema, junto do contraste cultural entre centro-periferia, é a tônica d’O Invasor, que graças à proximidade do real, ajudado, inclusive, pelas técnicas de filmagem e um final de reticências, conquistou prêmios como o de Sundance, do Festival de Brasília, Cine PE, Grande Prêmio BR do Cinema Brasileiro e Troféu APCA.
De resto, “bem vindo ao pesadelo da realidade”!
. . .
por Ricardo S.
Imagens: Reprodução/www
(Publicado originalmente em 2011)