| “Thinking man statue illustration Auguste Rodin’s The Thinker”/Chilmy Abd |
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ENEM e capitalismo
E aqui estou eu. No 457, em pleno sábado. Dez e meia da manhã. O ônibus balança e avança, não pude escrever essas palavras no meu caderninho de anotações. Este, cujas primeiras anotações foram na verdade desenhos de mulheres. Até porque não sei desenhar figuras que a sociedade identifique enquanto homens.
Eu gosto daquela frase que afirma que nossa caligrafia é o sotaque das mãos, na minha cabeça faz sentido. Por isso queria me expressar no papel.
Indignação é o que tá rolando aqui. Pelo menos da minha parte. Poderia estar na praia, cozinhando, desenhando, pintando, assistindo alguma série, vendo filme, lendo na areia e escutando o mar, conversando com minha mãe sobre qualquer coisa sem me preocupar com a hora de dormir ou ir para escola, todavia, aqui estou: indo para escola em um sábado.
Um dia lindo de sol, céu azul ciano, nuvens ausentes, o verde destacado das poucas árvores dessa cidade não sustentável, o calor adequado na minha pele depois de dias de frio, resfriado, sinusite e rinite. É o dia perfeito para perceber que vale a pena estar viva. Mesmo assim, estou aqui, trancafiada em um paralelepípedo pra ir em outro (professora de matemática já pode me dar um ponto extra por essa).
A sociedade capitalista utiliza excessivamente os retângulos. São limitados e sufocantes quando se permanece muito tempo neles. Isso, é claro, caso você seja como eu e pensa e observa bastante.
Os paralelepípedos estão igualmente em demasia.
Eu quero ar livre, sol, areia, terra, folha, árvore, vida, estudo e não doutrina.
Minha mente voa na aula de física, voa por mim que não pode voar. Voar da angústia que me causa o moedor de gente. Os paralelepípedos tentam estreitar minha cabeça, minha linha de pensamento, eu quero expandir. A aula de física não é o problema, eu amo física. O problema é a forma que vão me avaliar a partir de questões de física. A angústia vem daí.
O pedido de socorro é porque estou cansada de ter que me preparar para o moedor de gente, desejo estudar, mas também ser feliz.
Lívia Barbosa Dornellas
10:37 – 11:03. 457. 3 de agosto, ano que eu tenho 16, dia do teste de matemática
{ Núcleo Piratininga de Comunicação – NPC }
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