Deve ter um feitiço…

  “Ave Sangria como Patrimônio Cultural Imaterial do Recife”.

   . Programa “Opinião Pernambuco” – TVU Recife .

   (por Stella Maris Saldanha, 2023)

Cida Pedrosa;
Almir de Oliveira.

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De marginais a imortais

por Cida Pedrosa

A banda Ave Sangria agora é Patrimônio Cultural Imaterial do Recife, lei proposta pelo nosso mandato, aprovada por unanimidade na Câmara, e que segue para sanção do prefeito João Campos. E o que significa ser patrimônio? Não falo aqui do que é medido através de moedas, mas do que é transmitido de geração em geração, recriado, que gera um sentimento de identidade e respeito à criatividade, à diversidade humana. Transformar uma manifestação artística em Patrimônio Cultural é reafirmar o quanto seu legado é importante para a capital pernambucana, que a arte tem a função social de nos transformar e de nos impulsionar para o novo.

Símbolo da efervescência cultural dos anos 70, a Ave Sangria é também um dos melhores conjuntos de Rock progressivo e psicodélico que o Brasil já produziu. Que a nossa cidade já produziu. Recentemente, nosso mandato realizou uma Sessão Solene homenageando a banda pelos seus 50 anos de vida. Isso, por si só, já é um fato a ser celebrado. Quantos artistas conseguem ir tão longe num país que ainda não coloca a arte como direito humano?

Na Câmara Municipal, reunimos os músicos, os fãs e um público diverso para reverenciarmos as guitarras, a ousadia e a resistência de Marco Polo, Almir, Ivan, Israel Semente Proibida e Paulo Rafael. A formação musical é outra hoje, mas as letras ainda remexem nas entranhas da cidade e nos lembram do Recife-mangue: aquele que cria, diverso e potente. Das nossas raízes ora fincadas no solo fértil, ora radiando, abrindo os pulmões para o mundo.

Conceder à Ave o título de Patrimônio Cultural Imaterial também é reescrever a história. No auge de suas carreiras, os músicos foram proibidos de fazer shows e o disco foi gravemente censurado pela Ditadura Militar. A paixão por Seu Waldir, seu apito e sua camisa de cetim foi o estopim para os guardas costurarem silêncios nas bocas dos artistas, durante o AI-5, momento mais árduo que vivenciamos, nos anos de chumbo. Devolver ao Recife a arte que lhe é de direito é também fazer justiça com todos, todas e todes que foram covardemente sabotados por esse sistema autoritário.

E cabe a mim, enquanto estou vereadora, fomentar, na Casa José Mariano, a cultura da minha cidade e do meu Estado. Temos aberto a Câmara para que artistas e fazedores da cultura tenham poder de fala e possam ser devidamente reconhecidos pelas suas trajetórias, nas mais diversas linguagens. Também concedemos o título de Patrimônio Cultural à Batalha da Escadaria, espaço de pulsão do Hip Hop e da Literatura oral, cravado no coração do Recife, no centro da cidade. É patrimônio aquilo que nos impulsiona, que cria frestas no sistema opressor que estamos inseridos, que agiganta a poesia.

Que esse título assegure novos ares e voos à Ave, que embalou a minha juventude, embala a dos meus filhos e sei que seguirá embalando a dos meus netos. Que ela continue anunciando sentidos musicais e poéticos para o futuro. Para que mesmo os que não cantaram “Hey, man” a plenos pulmões possam saber que existiu uma banda única na nossa cidade, pelos lados da Tamarineira, atenta ao todo e aberta ao mundo. Viva a cultura! Viva a Ave Sangria!

{ Diario de Pernambuco }

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