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A encenação do “eu”: da vida social ao palco online.
por Francisco Fernandes Ladeira
A necessidade de ser visto não é uma invenção das redes sociais. Ela é constitutiva do ser humano, um animal gregário. Nossa percepção de nós mesmos se forma no reflexo que vemos no olhar do outro. Desde bebês, precisamos desse reconhecimento externo para construir a noção de um “eu”. Sem o outro, não nos reconhecemos.
O sociólogo Erving Goffman comparava a vida social a um teatro. Em todos os momentos somos atores. Um professor em sala de aula não é a mesma pessoa que é num bar com amigos. Em cada circunstância, alteramos nossa linguagem, nosso gesto e nossa postura para causar uma impressão específica. Somos, efetivamente, “nós mesmos” apenas na solidão, quando a sensação de ser observado desaparece.
No século passado, a lógica do espetáculo já dominava a cultura. Guy Debord falava de uma “sociedade do espetáculo”, em que as relações passavam a ser mediadas por imagens. Jean Baudrillard alertava para o “fim do real”, substituído por uma simulação hiper-real de aparências. No Brasil, isso se materializou nas décadas de 1980 e 1990 com o culto às celebridades em revistas e programas de TV. A vida privada tornou-se produto.
O grande salto veio com os reality shows e, depois, com as redes sociais. Elas democratizaram o espetáculo. O que antes era privilégio de famosos – ter a vida observada e comentada – tornou-se acessível a qualquer um. A “extimidade”, a intimidade propositalmente exposta, tornou-se uma ferramenta cotidiana.
Dessa forma, o futuro imaginado por Andy Warhol, com todas as pessoas tendo seus quinze minutos de fama, não apenas chegou: foi superado. No Instagram, no TikTok e no facebook, não temos quinze minutos de fama, mas uma fama fragmentada em quinze segundos, renovável a cada novo story, a cada nova postagem.
A rede social é o estádio do espelho de Lacan definitivo. É o teatro de Goffman com plateia global. Nela, a encenação da própria vida tornou-se não apenas possível, mas desejável. O palco está sempre armado, a plateia sempre potencialmente presente. E nós, atores de nossa própria vida-espetáculo, seguimos performando para um espelho que nunca se desliga, confundindo, cada vez mais, a existência com a exibição.
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