Enganar os desavisados


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“A Libertação da Mulher e a Revolução Proletária”

Por Rosa Scheiner
| Publicado na revista Izquierda, Ano 1, Buenos Aires, Outubro 1934 |

Há muito tempo, o homem havia submetido a mulher, aproveitando-se de sua condição biológica que a colocava em uma situação desvantajosa em relação aos homens. A pesada carga da gravidez e da amamentação a impediu de se dedicar à caça e à guerra, principais fontes de sustento nos tempos primitivos, atividades que o homem realizava.

Ao se tornar um provedor para a mulher, mantendo-a, o homem exigiu submissão incondicional e assim a obteve. Aqui está provado como uma simples razão econômica lança os fundamentos do império masculino.

Essa situação foi se perpetuando até culminar no gineceu e no harém, lugares sombrios onde aconteciam tragédias silenciosas e às vezes inconscientes de seres humanos privados da menor liberdade, eliminando o suposto estigma de seu sexo.

Com exceção do fugaz período do matriarcado – no qual era a mulher e não o homem a cabeça, a chefe de família -, a mulher de todos os tempos, de todas as civilizações, mesmo nas mais brilhantes como a árabe ou a grega, esteve à mercê do homem. O cristianismo em sua época de maior poder, na Idade Média, elevou o desprezo pela mulher ao seu máximo grau, declarando-a um vaso de impurezas, ninho de pecados, morada de demônios, etc.; esquecendo da “boa no­va” de Jesus Cristo, o pretendido ou o real fundador da religião cristã, que encontrou nas mulheres de seu tempo a mais fervorosa adesão.

A grande Revolução Francesa, com todas suas projeções entre outros povos, trouxe, sem dúvidas, um sopro renovador no que diz respeito à situação da mulher, mas encarou o problema de forma superficial. Nos salões da burguesia ilustrada alternavam as mulheres com os literatos, políticos, artistas, comentando acaloradamente os acontecimentos daquele momento singular.

Algumas vezes, homens e mulheres de todas as categorias sociais fraternizaram ao conjuro da embriaguez revolucionária. Rapidamente, ressoaram algumas vozes autorizadas (Stuart Mill na Inglaterra, Fourier na França), chegando a advogar pelo sufrágio feminino. Parecia que o advento da burguesia no meio de tantas declarações patéticas e generosas iam resultar no fim da servidão feminina.

Mas o que aconteceu com as proclamações das burguesias foi o mesmo que, em sua oportunidade, aconteceu com o cristianismo: uma vez vitoriosa, não pensou mais do que em alargar seus privilégios e lisonjear seus apetites de classe dominante. Assim como não teve escrúpulo algum em derrubar sobre as classes trabalhadoras, sob seu comando, a desgraça de uma brutal opressão, também não se revelou em nenhum momento qualquer interesse em destruir, em nome da famosa tríade de “Liberdade, igualdade, fraternidade”, a mais vergonhosa das desigualdades: a desigualdade entre os sexos.

No final das contas, a decantada civilização burguesa, que professou palavras tão belas, tem, no fundo, o mesmo conceito sobre a mulher que qualquer civilização bárbara. Este conceito estava já muito bem definido, ainda que de for­ma pouco elegante para alguns ouvidos pseudoartísticos; pa­ra o filósofo grego Demócrito, a mulher, disse ele, é uma mesa bem servida que se vê de uma maneira distinta antes e depois da comida.

Podemos resumir essa metáfora democrática cristã assim: a mulher nos interessa somente como uma fêmea. No entanto, o capitalismo moderno deu a mulher uma outra missão alheia: a de ser uma pródiga fonte de lucro em sua qualidade de assalariada.

Milhões de mulheres estão acorrentadas à gigantesca produção capitalista e a seus ramos colaterais. Em troca de remunerações irrisórias, aproveitam toda sua energia “ocul­ta”. Nem o trabalhador mais inepto se resignaria com o salário que recebe a operária, mesmo a mais hábil. Há uma razão pela qual a prostituição, com todas as suas terríveis consequências, floresce tanto no mundo burguês “progressista”.

Ante a trabalhadora faminta e miserável, o pro­gresso e­xibe todos os seus presságios: casas esplêndidas, vestidos magníficos, joias, flores, manjares. Como outro Mefistófeles, o pro­gresso, o mentiroso progresso burguês a tenta e fascina. E a pobre mulher, geralmente ignorante, aproveita a primeira oportunidade – mesmo a mais enganosa, para correr em busca da quimera da felicidade, que sua pobre pocilga, sem alegria, beleza e pão nunca poderá lhe oferecer…

O tão mencionado progresso já levou muitas décadas para ser moldado; foram proclamadas, pelas lutas dos trabalhadores, algumas leis de proteção para a mãe trabalhadora, leis que, como todas as que beneficiam a classe proletária, são flagrantemente violadas na primeira oportunidade.

O liberalismo burguês decadente precisava do esforço feminino nos horríveis anos da última guerra, para finalmente conceder-lhes direitos políticos em alguns países… Que sarcasmo! Logo depois que a “recompensa” tardia lhes foi oferecida, a burguesia proclamou seu “dernier cri” do fascismo, que degolou solenemente as chamadas liberdades democráticas e, entre elas, o sufrágio e o parlamentarismo.

Nos países onde a máscara democrática ainda paira nas fronteiras políticas, a sustentação da reação é buscada através do intermédio do voto feminino, e nada mais que isso. De qualquer maneira, com ou sem sufrágio, na prática e na teoria, o atual sonho burguês é reeditar para a mulher a época do gineceu e do harém, ou seja, a época da escravidão.

Os poetas, os oradores e os filósofos da burguesia fascista são encarregados de adornar esse grosseiro ideal com todo o ornamento verbal necessário para espiritualizá-lo e enganar a todas e todos os desavisados.

A massa feminina que trabalha nada pode esperar do regime burguês.

As escassas e pobres reivindicações que conquistaram não deverão modificar profundamente o doloroso problema da desigualdade sexual, que é consequência da desigualdade social. Isso não significa que a massa de mulheres trabalhadoras, assim como os trabalhadores, deva desprezar a luta por estas pequenas conquistas arrancadas da burguesia. Pelo contrário. Mas é necessário não fazer delas um fim e se servir destas conquistas como um meio para preparar obras fundamentais, incompatíveis desde já com a ordem capitalista – que não vai além da igualdade perante a lei, e isso geralmente na teoria.

A igualdade perante a lei, enquanto não estiver respaldada pela igualdade econômica, não passa de uma fórmula va­zia. E isso só será possível numa sociedade socialista, que começará a cortar pela raiz, a extirpar a propriedade privada, origem da primeira desigualdade.

Somente o regime socialista assegura para a mulher a posse completa de sua própria individualidade: de seu corpo, de sua mente, de sua vontade. Somente numa república socialista não haveria lugar para a diferenciação dos sexos em superior e inferior. Apenas a organização socialista construirá as relações entre o homem e a mulher sobre os indestrutíveis cimentos de forte estima, de autêntico companheirismo.

A Eurásia Soviética nos oferece uma magnífica prova, onde ao custo de muito trabalho, mas com muita firmeza, se está estruturando o socialismo. Em poucos anos de um novo regime – e novo como nunca houve na história -, as mulheres russas atingiram um nível que as mulheres nas “democracias” seculares da Europa e da América não podem nem remotamente sonhar.

Não basta nem mesmo o mais aparatoso conteúdo jurídico-institucional para solucionar as falhas básicas concebidas nas democracias capitalistas. O preconceito da inferioridade da mulher é mantido artificialmente pela ideologia burguesa. Assim, a economia capitalista pode rebaixar seus salários e desalojar da produção grandes massas de trabalhadores mais conscientes de seus interesses e mais dispostos a resistir a exploração do que as mulheres trabalhadoras.

A servidão da mulher tem hoje, assim como ontem, uma razão econômica. A educação que é dada às mulheres na sociedade burguesa, a intervenção do clero sobre elas, as limitações e os obstáculos com os quais as cercam, contribuem para paralisar sua inteligência, personalidade, resistência. Tu­do tende a torná-la um ser passivo, todo resignado, que suporta tudo: humilhação, dor, miséria e até guerra, que a fere em seu próprio ventre.

Lenin, o formidável dirigente da revolução russa, disse que ainda falta muito para que a mulher conquiste a verdadeira liberdade; e ele disse isso referindo-se à mulher russa, que tem ao seu favor uma legislação admirável. Ao lado dessa valente afirmação de Lenin, é ridículo pensar em prestar louvores solenes às “grandes democracias”, ou mesmo que somente elas possam estar a favor das trabalhadoras e dos trabalhadores, pois sabemos que há muito ainda a se fazer.

Ai da classe trabalhadora que seja fiel da boa disposição das “grandes democracias”! Ai daquele que se deixa acariciar pela esperança da evolução usual! A evolução… apenas os iludidos não veem que seu ciclo terminou para nos deixar às portas da revolução. Sob sua bandeira e no terreno da luta de classes, a redenção das mulheres começará pela redenção proletária.

{ Nova Cultura }

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