Memória para novos sites na Internet existe de sobra, porém, a mesma memória, no sentido de história, muitas vezes deixa a desejar no ciberespaço. Desde os chamados “buracos negros”, que surgem de links já inexistentes, ao uso construtivo de sites, o internauta procurará bastante para encontrar trabalhos como o que a Juliana de Brito desenvolve com o ‘Notas Futebolísticas’.
O blog, no ar desde 2009, tem o futebol como objetivo, mas não joga o “feijão com arroz”, diria o jargão do esporte mais popular do mundo. Nas quatro linhas do time comandado pela gremista, figurinhas que não são carimbadas no rol do que é produzido em torno do futebol: arquivos de áudio e vídeo, livros, filmes, sites, textos, publicações com uma série de ingredientes de história.
Apesar de escassa, existem alguns espaços disponíveis que fazem uso desse esquema de jogo, onde nem tudo é irrelevante ou tem prazo de validade, mas cumprem o uso livre e autoral que dá sentido às mídias sociais.
Na conversa com Juliana, é possível constatar que frases como “aí fiquei de bobeira pela Internet” ou resumir acessos às redes sociais não apresentam sentido se o usuário aproveita suas influências e busca algo além do previsível, do que não veio para de fato acrescentar. Prova disso é que no Not Fut, como é também conhecido pelos leitores, visualiza-se que trabalho sério garante pagar um domínio, investir profissionalmente e expandir a rede de contatos para diversos caminhos conquistados com identidade.
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Lado D dos Esportes O blog é o seu primeiro espaço feito para falar sobre futebol?
Juliana de Brito Eu trabalhei na Agência Experimental de Comunicação (AgexCom) por dois anos como repórter do ‘Portal 3’, da Unisinos. Foi durante o estágio que surgiu essa história de ter outras mídias ali dentro, pôr áudio e vídeo no site, aí a professora Patrícia Weber entrou para auxiliar os alunos e indicou que cada um fizesse o programa, ao gosto pessoal.
Pensei em fazer algo de esporte, seriam coisas pequenas, boletins, por isso o ‘Notas’, inseridos numa programação de rádio online que tinha na página do Portal 3, que tocava quase sempre música, mas entravam as notinhas, que geralmente eu gravava e o nome já era “Notas Futebolísticas”. Eu convidava, tipo, um torcedor do Inter para ele narrar o gol do final de semana do time dele e gravava com narração! Pensei: “Ah, vou fazer um blog para colocar esses arquivos, a minha opinião, daí eu fiz para servir mais de arquivo de áudio que qualquer outra coisa.
LDE Então tinha pouca coisa diferente do que era produzido para a faculdade.
JB Era o que eu produzia na AgexCom e pensei que seria um espaço para colocar outras coisas que faço. Quando eu fazia matéria de futebol em aula, também botava ali, comecei a dar minha opinião, só que eram, basicamente, textinhos mais narrativos, coisas bobinhas no início do blog. Foi aí que abriu a inscrição para o “Três Mosqueteiras”, me inscrevi e não entrei por uma questão geográfica, pois tinha que ser uma concorrente da capital, uma da serra e outra não sei de onde; três mosqueteiras, três meninas falando de futebol dentro do blog do Grêmio no GloboEsporte.Com. Era o (Cristian) Bonatto que escrevia, e ele escolheu as três para escrever.
LDE Ele era o D’Artagnan!
JB Isso, então como tinha a da capital, fiquei de reserva, mas passou o tempo e uma das meninas não podia mais escrever. Aí ele disse que viu meus textos no Portal 3 e no Notas Futebolísticas, que se eu quisesse participar uma delas estava saindo, e entrei. Escrevia quinzenalmente, e me empolguei mais para fazer no Notas, publicava em um e no outro, mas mudou o menino do blog e as meninas continuaram. Isso era 2008, em 2009 eu virei titular, todo dia tinha que escrever no blog do Grêmio, atualizar comentários e não escrevia muito para o Notas Futebolísticas – quase que mensalmente eu atualizava ele.
Em dezembro do ano passado eu saí, não pude mais escrever, os machistas ganharam – um a zero pra eles! -, aí larguei de mão e voltei a escrever no Notas, ocasionalmente, e também tinha escrito uns para o Impedimento – eles me convidaram para ser colaboradora semanal. Eu não queria me comprometer de novo numa coisa que me desgastasse como era no blog do Grêmio, era desgastante ter que escrever toda vez, às vezes tinha jogo e eu deixava de ir porque tinha que escrever para atualizar mais rápido. Eu já estava desgostando daquela função toda de ser jornalista e não ganhar nada por aquilo.
Aliás, para o Notas escrevem o meu namorado e um amigo.
LDE Quando foi que mudou a parte dos temas, de não ficar presa ao que rolava na faculdade, pois eu vi que tem vídeos e que na maioria se aproximam do futebol?
JB Como vivi uma aproximação maior com o futebol, saí do estágio e já não produzia os áudios para publicar, então comecei a desenvolver mais os textos, por querer manter o blog. Até pensei em manter o programa caseiro mesmo, mas achei que não valeria a pena. Eu saí do estágio em 2009, estava no blog do Grêmio, isso me tirava um tempo diário e não me permitia atualizar com frequência, e me fez refletir sobre isso. A partir daí, comecei a escrever textos mais longos e mudar o meu foco.
LDE Você usa mais o blog como laboratório ou quer mesmo trabalhar com esporte?
JB Eu não trabalho com jornalismo esportivo e nem sei se quero trabalhar, é uma coisa que eu gosto muito, todo mundo acha óbvio que eu vá trabalhar com isso, mas não tenho certeza de que é isso que eu quero. Até porque esse mundo machista que eu conheci foi uma experiência muito próxima do leitor, que provavelmente eu não teria se fosse jornalista de um jornal impresso, por exemplo. Foi bem forte pela proximidade com o leitor e não foi decisiva para saber se irei trabalhar com esportes ou não.
LDE Da parte da mescla entre vídeos com diversos contextos, por que acha interessante colocá-los?
JB É porque acho um conteúdo jornalístico interessante para mim e para os leitores, muitos não são fiéis, mas acho que existam alguns. Também disponibilizo materiais que não estão na Internet, ligados à reflexão, por exemplo, uma categoria que criei e nem está tão assídua – a análise da mídia! A gente não vê a mídia se analisando, dificilmente se critica, principalmente a esportiva.
LDE Existem outras coisas que possam ser buscadas e colocadas no blog? Qual o tipo de retorno que recebe com o Notas? Com certeza, em volume não é o do Grêmio, e na educação também.
JB Eu acho que tem um bom retorno, além de no blog do Grêmio eu ter entrado porque o rapaz viu os meus textos, isso foi um retorno, alguns leitores que eu criei também, mais positivos que os que eu tinha, inclusive em termos de crítica, porque a crítica sempre é boa, sempre gostei da crítica aos meus textos, mas desde que ela seja construtiva, não seja preconceituosa.
No Notas eu sempre tive esse respeito, pois como é um exercício jornalístico também relevam isso, são leitores mais qualificados, até porque o conteúdo não é massivo, é mais focado, e a partir dali é o meu portfólio, se eu quiser mostrar para alguém o que já escrevi é aquele link que vou mandar. É um retorno crítico, e não físico ou econômico.
LDE Não pergunto como uma coisa nova, mas a quantas anda a relação da mulher nesse universo do futebol, inclusive por causa da própria experiência que você disse ter provado com a página gremista?
JB Teve uma colega que fez um texto que dizia que o radiojornalismo é muito masculino, principalmente o esportivo, e ele é muito preconceituoso ainda, na minha opinião. O que vejo de ruim, o que critico na mulher que fala de futebol é ver mulher produzindo para mulher, falando numa linguagem “mulherzinha”, porque acho que não tem que ser linguagem diferenciada, é uma pessoa falando sobre futebol, não precisa saber se é mulher ou homem. Antes de entrar no blog, eu achava que era raro o preconceito da mulher falando de futebol, mas quando entrei vi que existe. Porque até no estádio eu não via tanto isso, nunca sofri preconceito ou xingamento por estar no estádio, aí percebi que havia mudado. Mas no blog, não.
LDE Atrás do monitor ficam valentes…
JB Sim, todo mundo é macho para te contestar, ali é anônimo, não mostra a cara, e eu estou dando a cara a tapa, com uma foto ainda, então percebi que é forte o preconceito, principalmente na Internet.
O mercado jornalístico não é tão preconceituoso, inclusive até reverteu, parece que é obrigatório ter mulher na redação, os donos dos veículos parecem querer a mulher falando sobre futebol em rádio e tv, mas muitas vezes porque preferem carinha bonita a quem tem conteúdo para falar. Tem essa questão, tem muito mais participação porque é uma mulher, e não porque ela sabe.
LDE Grande parte de quem cria os blogs vê como um soro antiofídico contra o veneno do machismo que colocam, mas parece também que muitas autoras precisam identificar com “salto alto”, logotipo rosa… Não é uma forma de aceitar a atmosfera machista?
JB Não acho que seja o melhor caminho para combater o preconceito, colocar uma coisa rosinha, falar de futebol de uma forma “feminina”. Acho que se os dois se derem conta disso, o homem, que a mulher entende de futebol, e a mulher, que não precisa falar de forma diferente para ser tratada bem, fica melhor. A mulher não precisa provar nada para ninguém, tem que fazer o que sabe, e como em todos os setores, está avançando, embora mais lentamente que eu esperava.
LDE Por mais que agora não seja o seu trabalho no Jornalismo, ou se o jornalismo esportivo terá o seu trabalho, você pensa em continuar com ele, tocá-lo com essas várias linguagens que vem sendo utilizadas?
JB Sim, o meu interesse é manter um arquivo de coisas que eu gosto e que acho que não são exploradas pela mídia por causa do dinamismo de ser tudo factual, e também o factual pode ser ligado a uma coisa histórica, isso é pouco feito. Sempre que eu puder, a intenção do Notas Futebolísticas não é ser factual, de notícias que aconteceram apenas ontem ou hoje e que amanhã morrerão, não, é poder pegar o post e ler que ele vai estar bom ainda, coisas da rodada passada que possam ser associadas à história.
LDE A gente falou bastante sobre como estaria esse jornalismo esportivo, mas o nome do maior estádio do mundo é o de um jornalista que escrevia sobre futebol, Mário Filho. Por que houve esse “encurtamento” do jornalismo, cujas formas de produção podiam ser em crônicas, palavras difíceis, pautas diferentes?
JB Como eu acompanho mais em internet e rádio, pouco vejo o jornalismo esportivo na tv além dos jogos, mas o rádio poderia explorar bem mais o histórico, não sei porque eles acham que é necessário publicar coisas somente do dia-a-dia, o que aconteceu hoje no treino, e não o que aconteceu há cinco anos atrás. Não sei porque no Jornalismo não há memória, a não ser talvez na política, não renova e não apresenta a memória para o factual. Você fez uma pergunta difícil, realmente eu não sei porque é assim.
LDE E por que você faz?
JB Faço por gosto e por acreditar que o Jornalismo é isso também, não é só falar do factual porque todo mundo está falando, mas envolver também a história, falar o que os outros não estão falando não por ser do contra, mas por achar que é legal e o que o leitor qualificado procura, saber ou relembrar coisas diferentes ou que estão esquecidas, curiosidades. Não faço por subversão, mas por achar que o Jornalismo é assim.
LDE O que a fez gostar do esporte?
JB A minha influência com o Grêmio foi o meu pai, ele é muito gremista e foi quem me influenciou desde criança, não foi um contato forte como eu praticar esporte, e ir ao estádio também. Por morar longe do Olímpico, no interior, mesmo assim peguei a prática de ir ao estádio pelo meu pai e não por gosto próprio, embora depois eu o ultrapassei, não que eu goste mais que ele, e sim porque pratico mais.
LDE Há possibilidade de outras modalidades aparecerem no blog?
JB Até pelo nome do blog, acho que não. Gosto de outros esportes, mas teria que ter mais conhecimento para poder escrever, isso está em falta no Jornalismo atual, saber sobre o que está escrevendo.
LDE Você comentou que mais duas pessoas participam do Notas com textos…
JB Ocasionalmente, eu convido pessoas para colaborar com o blog. Atualmente, tem o Maurício (Targino), que é meu namorado, com textos atemporais para a seção “Figuras da Bola”, jogadores antigos, personagens do gosto dele. O outro é o Alexandre Perin, ele é colorado e convidei como contraponto, porque eu sou gremista, mas ele escreve bem, analisa muito bem o jogo e não precisa que seja colorado para escrever sobre o Inter, colabora também com análise da imprensa, pois não tem formação jornalística e é interessante ele falar. Mas indico outros textos de fora, que não são deles.
LDE Quando o blog começou as redes sociais não tinham tanta influência, agora com elas fazendo parte, o que acrescentou para o Notas?
JB Mais leitores! No meu Twitter pessoal eu divulgo o que escrevo, e como ele tem muitos seguidores por causa da época do blog do Grêmio, então a partir dali talvez surjam novos leitores. O do blog não tem muitos, não tentei prospectar novos seguidores, mas acho positivo porque pessoas chegaram ao seu texto por acaso – e não só com o Google – e assim retuítam, chegam a outras regiões.
Uma coisa que não comentei foi que no período da Copa (2010), embora eu fizesse antes o “Personagem da Semana”, baseado no Nelson Rodrigues, criei a seção que a cada semana pegava um jogador que tinha se destacado, contava a história dele e quase sempre caras mais alternativos. Parei apenas por falta de tempo, espero retomar. Durante essa primeira copa do NF, eu escrevia diariamente sobre o cara que tinha se destacado, daí publicava vídeo, foto relacionada etc.
LDE Apesar da quantidade ser inferior em relação aos factuais e aos ‘treteiros’ – que montam blogs para ganhar comentários em detrimento do conteúdo -, o que acha desse ressurgimento de canais que destacam a história do futebol?
JB Primeiro, temos que fazer para a gente, porque se for depender do que os outros querem, não vou fazer nenhum tipo de pesquisa para descobrir qual é o meu público, até porque o meu público vai gostar do que eu gosto ou vai para criticar o que gosto. Segundo, pela filosofia, a minha é o Jornalismo; e terceiro, por achar que falta esse tipo de conteúdo. É um caminho para se fazer o que gosta ou o que não tem na Internet ou que não tinha ou que tinha pouco.
LDE Como veio aquela circunstância de estar no vídeo do Grêmio no projeto ‘A Energia das Torcidas’, da Petrobras? Qual a sua impressão como gremista, jornalista e quem gosta de futebol?
JB Achei o projeto muito bom, talvez pouco divulgado, mas de ideia bem executada. Talvez um pouco no óbvio, sempre no óbvio, de puxar sardinha para a torcida. Mas foi interessante também por conhecer a produção deles, pegaram alguns jogadores, gremistas ilustres e eu, que era a menos ilustre falando de Grêmio, mas tentando representar o torcedor gremista para falar um pouco do sentimento e do que é estar no estádio.
Eu não consigo traduzir em palavras faladas, acho que consigo me expressar melhor escrevendo, então falar ali para eles foi bem difícil, não gosto muito de vídeo. Aliás, para me expressar fora da escrita é mais complicado, mas falei várias coisas que foram cortadas e que no meu entender eram mais legais, detalhes da edição, não é por mal que eles editam, é porque acham melhor assim. Ali é um resumo do que falei, a experiência é bem maior que o que está publicado. Por isso que foi interessante, jornalisticamente falando, saber como eles fizeram, pois é muito difícil, precisa de várias autorizações, mas os entrevistadores eram legais, sabiam lidar com o torcedor, não é nada encenado, então é tudo natural. Acho que é um produto bem diferente e deveria ter mais.
por Ricardo S.
Imagem: Reprodução/www
Publicado em 20.06.2012