Mau, fascista e canalha, não?


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Contra o “comunismo” Porto Alegre esquece enchentes

por Juremir Machado da Silva

A psicologia do eleitor é profunda e surpreendente. Erra quem tenta interpretar essa psicologia à luz de relações simples de causa e efeito. A capital gaúcha sofreu muito com a enchente em 2024. Muitas outras cidades do Rio Grande do Sul padeceram também. A diferença é que Porto Alegre tem um sistema de proteção contra cheias. O atual prefeito, Sebastião Melo, garante que choveu acima do que o sistema podia suportar. Pode ser. De qualquer modo, a manutenção não foi feita. Basta pensar naquela famosa comporta da avenida Mauá, depois arrancada e protegida com sacos de areia, para lembrar do quanto estava tudo abandonado: portões abaulados, falta de parafusos de vedação e outros elementos dessa ordem. Sem contar que jornais como o Correio do Povo haviam feita matéria sobre a situação da comporta 14 e de bomba com defeito dias antes da tragédia.

A manutenção teria evitado o desastre? No mínimo, teria diminuído o estrago. Era de se imaginar que isso pesaria contra a reeleição do prefeito. Parece que não. Ele só cresce nas pesquisas. Bairros que ficaram um mês embaixo d’água exibem propagandas de Melo na fachada das casas. O argumento da “fatalidade” sobrepuja o da responsabilidade. A ideia de que não há culpados sufoca a denúncia de que o dever de casa não foi feito. A presença de Melo nos lugares alagados suplanta a ausência de cuidados com a manutenção dos equipamentos de proteção contra o avanço do rio. Seria interessante fazer uma pesquisa sobre onde ficaram os mais entusiastas eleitores do prefeito durante o auge da enchente. Não será surpresa se vencer a opção “na casa da praia”. Mas não só. Como assim?

Os eleitores de Melo parecem mais preocupados com o avanço do comunismo do que com as enchentes. A Venezuela inquieta mais do que o Guaíba. Que comunismo seria esse de caráter municipal? Simples: a impossibilidade de entregar toda a orla para a iniciativa privada, de construir arranha-céus quase dentro do Guaíba, de tomar Balneário Camboriú como modelo urbanístico, de terceirizar parques e praças e, enfim, de limitar o apetite de construtoras como a Melnick, que vem impondo a sua marca no corpo inteiro da cidade, que toma ares de estância municipal.

Como se diz, nada cola em Melo. Os escândalos na secretaria da Educação escorreram pelos ralos finalmente desentupidos. A imagem de moderação apagou rapidamente a sua adesão apaixonada ao bolsonarismo nas eleições anteriores quando, membro histórico do MDB, votou contra seu colega de partido, Gabriel Souza, para vice de Eduardo Leite, preferindo a chapa do mais bolsonarista de todos os bolsonaristas, Onyx Lorenzoni. A propaganda de Melo na televisão repete a que levou José Ivo Sartori ao governo do Estado: do “gringo que faz” ao “goiano de chapéu de palha que fez”. O imaginário mostra-se mais real do que a realidade das imagens.

Ao contrário de muitos, não acho Melo um mau sujeito, um fascista ou um canalha. Sou pragmático: estou convencido de que se bolsonarizou por cálculo eleitoral desesperado, também conhecido por medo de continuar a pé, sem poder, e que não se ocupou da manutenção do sistema de proteção contra as cheias. Ah, mas ninguém antes dele cuidou tampouco? Isso tem um nome: racionalização. É o cara que podia ter seguro-saúde, mas não tinha quando precisou, pois ninguém imaginava que poderia adoecer.

Cada um com suas prioridades. Em Porto Alegre vem em primeiro lugar o medo do comunismo. É um temor tão grande que apaga enchentes.

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