Terremotos

30-09-2016a

O amistoso que a Seleção Brasileira ‘disputou’ em 2004, ou melhor, celebrou com a Seleção Haitiana, é um feito acima da temática Esportes, Futebol, Jogo da Paz, ato diplomático, não por superioridade.

É tudo isso em pequenas doses, da grandiosidade nos sorrisos, na corrida de parte dos cidadãos do país caribenho para um melhor ângulo ou proximidade com os craques da Canarinho. Um terremoto de HUMILDADE!

Utilizar o termo ‘terremoto’, apesar da carga negativa que ostenta, segue para contrastar, combater a overdose recente no rádio, na tv, na tela do computador, nos impressos, e creio que se eles não existissem, ainda assim um vento estranho sopraria, que milhares de seres vivos sucumbiram ante as forças da Natureza. Praticamente num golpe só.

Da reação atônita pelo primeiro contato com a notícia da catástrofe natural de 12.1.2010, é possível trafegar pela compreensão do ocorrido e, em poucas horas, buscar à mente a história do Haiti, analisar o que geralmente veiculam estes canais de informação e respectivas linhas críticas, lembrar das coisas construtivas e das que não acrescentam muito.

Ver os furos de reportagens, as capas das empresas de comunicação e suas manchetes, tem limite. Caras indignadas, chamadas no estilo “Daqui a pouco tem mais Haiti”, comentários de âncoras e celebridades caolhas dosando que “o Haiti está mais lembrado que os desabrigados daqui do Brasil”, no lugar de estimular a curiosidade e eventual contribuição “humanitária”, findam em polir o umbigo mal lavado.

Dados como “não tem nem um macaco hidráulico” ou a ressonante “o país mais pobre do Ocidente”, repetidos à exaustão, decididamente, não contribuem em nada para alterar o descaso que vitima diversas nações, países ou não, ao longo do planeta. Desde alguma canção tucanizada que diz que o Haiti é aqui, passando pela vizinhança de paraísos fiscais, mares azuis e praias reservadas para resorts e navios de luxo, é um cerrar de olhos que faz do terremoto a revelação do descaso renovado, a sensação de que aqueles que se foram estão livres do sofrimento secular ao qual foram submetidos.

Assim, cadê os índios haitianos que não passam na tela da tv? Sim, o continente americano era todinho deles… E o que fazem os negros nas imagens das agências internacionais, afinal, é ou não é América Central? Por que eles falam francês, em grande maioria? O que faz o gorrinho gaulês no cume da palmeira, no brasão oficial? Hummm, e ouvir que diante da “ajuda” existem interesses de “lideranças políticas na região”?

Vem a dosimetria em outra interrogação: as indagações do parágrafo anterior não contribuiriam ao menos para explicar o falso estigma de “país ocidental mais pobre” e a sua absurda dependência? As ajudas, claro, seriam inevitáveis, mas o coitadismo aparentemente de nascença não mereceria, com tamanha destruição, sair de cena? Impor terremoto psicológico é pior, mata de forma lenta, desaba a liberdade, quando na verdade merecia um abalo sísmico de autonomia não de “míseros” 7 graus na famigerada escala Richter, e sim de uns 200!

Para as forças naturais, no caso, movimentos tectônicos, ainda não existem bodes expiatórios como Afeganistão, Vietnam, Iraque, terroristas barbudos e maus, aliados ou eixo. Na História, há um tapete que, mesmo proibido de ser levantado por no máximo 8 países, exala sujeira, e não será limpo através dos meios de comunicação hegemônicos e governos que a maior parte da população mundial terá esta gratificante epidemia. É por isso que o sofrimento é banalizado e surge o lucro como meta final das notícia$.

Eis que surge o citado vídeo: por que não incluí-lo numa grade de programação de algum canal, de preferência, aberto? Foi colhido no YouTube, que sempre tem tudo, e desconheço se são trechos do documentário ‘O dia em que o Brasil esteve aqui’ (de João Dornelas e Caíto Ortiz), este que como o mato do vizinho do Bezerra da Silva, a maioria da população pode dizer que “não sei, desconheço, isso nasceu aí”, por não estar nas prateleiras, embora os trechos seduzam a todos que desde 2004 os assistem.

Não é questão de futebol, mas de humildade em acolher uma representatividade repleta de etnias parecidas com a sua, o êxito de outra nação fustigada pelo colonialismo, e sequer fala francês. É a miscigenação de qualquer Pelé, Didi, Garrincha, ou entre os que lá estavam, os Ronaldinhos (atuais Ronalduchos), Roque Junior, Zagallo, etc. A euforia dos irmãos de continente, além de traduzir um terremoto de simplicidade, tem a ver com a “Liberté, Egalité, Fraternité” roubadas desde a invasão, do que era paraíso, pelos espanhóis.

É difícil a ausência daqueles craques nos noticiários apocalípticos desta semana, o que dizer da “maior” estrela do “Jogo da Paz”, que nem vai participar do jogo em benefício das vítimas por cláusulas de marketing com o clube atual – é o que divulgam as empresas jornalísticas. Muitas casas de insensibilidade ficaram de pé. É possível ler entre os comentários dos vídeos sobre este jogo uma teoria bem prática: se aqueles 22, no mínimo, doassem 1% do que ganham, ajudaria bastante como cidadania.

Parece improvável que os arrepios, gargantas trêmulas e lágrimas que vieram daquele 18.8.2004 tenham prazo de validade, e num prazo tão curto quanto 6 anos. É uma triste verdade, ao menos para os pretensos protagonistas da bola no pé; quem tem dúvida sobre os atores principais? O povo que os acolheu como representantes, não tem culpa por não ser escalado na hora do “vamo vê”!

Pobre aquele que pensa que um dia a casa não cai…

Força, Haiti de alma grande.

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Publicado em 16.01.2010

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