Realidade espalhada como certa

De caçadores de comida a caçadores de informação

Por que vou ter que aceitar uma verdade desconfortável para mim, baseada nos fatos, se posso pegar, como caçador, informação à vontade e construir a verdade/pós-verdade que seja fiel à minha crença?

por Álvaro Adriazola Uribe

Há 12 mil anos atrás aconteceu a Revolução Agrícola. Nela, pelo novo conhecimento desenvolvido e adquirido de manipular a vida de algumas plantas e animais, permitiu ao Homo sapiens ter para sua disposição mais grãos, frutas e carne, o que se traduz em nutrientes essências para a vida de nossa espécie. Esse conhecimento significou uma mudança transcendental para a humanidade. Mais de 2 milhões de anos os humanos mantiveram um estilo de vida predominantemente nômade, no qual podemos destacar três características, uma é a procura do alimento a depender da disponibilidade dos territórios “visitados”, outro é o perigo que significava ser presa e não depredador principalmente (há poucos anos só, considerando a vida total de nossa espécie sobre o planeta Terra, é que nos transformamos em depredador predominantemente), e a terceira característica dessa vida nômade era a deslocação de acordo com épocas de clima mais favoráveis para a vida. Porém, a Revolução Agrícola significou e favoreceu um estilo de vida mais sedentário, que permitiu nos estabelecer em territórios mais ou menos delimitados, criando os primeiros assentamentos humanos estabelecidos e, finalmente, facilitando o crescimento demográfico exponencial que nos elevou até os 7,7 bilhões de habitantes (Adriazola e Galeffi, 2019).

Desde lá, dos tempos da Revolução Agrícola, não mudou, no fundo, nosso estilo de vida predominantemente sedentário, no sentido de não necessitar mais manter-nos deslocando pelo planeta constantemente durante nossa vida. O progresso e a evolução constante que tem experimentado a humanidade, manteve estável esse passo de ser caçadores para ser camponeses. Mas, segundo o filósofo coreano Byung-Chul Han (2018), isto há uns anos vem apresentando uma mudança, uma espécie de retorno, em certo sentido, a um estilo mais caçador do Homo sapiens. Esse estilo caçador seria pela influência da tecnologia digital que alterou nossa interação com a informação. No estilo sedentário-camponês prévio à digitalização da vida, a humanidade tinha uma relação passiva com a informação, facilitada pelas mídias de massas tipo radio, na que mais que uma comunicação o que predominava era uma anunciação, uma entrega de informação como uma descrição para nós da verdade, e com ela, da realidade. Enquanto com a massificação da mídia digital isto mudou.

A Revolução Digital iniciada pela criação do primeiro computador, o Computador e Integrador Numérico Eletrônico (ENIAC) em 1945, somada com a penetração que vem tendo a internet desde 1993 na vida das pessoas, nos levou ao ponto atual em que, facilitados pela mídia digital, deixamos de ser receptores só de informação, também somos seu produtor (Adriazola e Galeffi, 2019). Esse câmbio para uma comunicação mais efetiva em relação mais estrita ao conceito de comunicar, quer dizer, mais simétrica, significou ser um ator mais ativo versus o que aconteceu na era das mídias analógicas previas. O anterior se traduz em que cada Homo sapiens, portador de um aparelho tecnológico, participa na descrição da verdade e da realidade.

Voltando ao filósofo Han (2018), essa participação mais ativa na nossa relação com a informação, transformou aos sapiens em novamente caçadores, mas caçadores de informação, que se caracterizam pela “impaciência”, quer dizer, que “agarram” em vez de deixar as coisas amadurecer, assim, a presa-informação não “madura”, não se desenvolve, é muitas vezes ainda “imatura” quando já é espalhada, sendo uma descrição parcial, fraca ou incompleta da verdade. Agora, a possibilidade de participar mais ativamente na descrição da verdade e da realidade pela Revolução Digital, deu um novo poder ao Homo sapiens, o de criar sua própria verdade, a conhecida pós-verdade. Com esse poder o Homem, massivamente, tem a possibilidade de criar uma realidade, sua realidade, de acordo com o que sente que deve ser ela, escolhendo a presa-informação que melhor reflete essa realidade e, finalmente, espalhá-la como certa.

Por que vou ter que aceitar uma verdade desconfortável para mim, baseada nos fatos, se posso pegar, como caçador, informação à vontade e construir a verdade/pós-verdade que seja fiel à minha crença?

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. Referências:

* Adriazola, Álvaro; Galeffi, Dante. (2019). “As grandes revoluções do Homo sapiens marcadas pelo conhecimento: um caminho até a modernidade líquida”. En: “Difusão Social do Conhecimento: Perspectivas Epistemológicas Multirreferenciais”. Curitiba: Editora CRV;

* Han, Byung-Chul. (2018). “No enxame: perspectivas do digital”. Petrópolis: Vozes.

{ Iberoamérica Social }

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