O Guerrilheiro


[ Luís Cília ]

Ei-lo erguido no topo da serra,
Recostado no seu arcabuz:
De pequeno criado na guerra,
Não conhece, não vê outra Luz.

Viu a terra da Pátria agredida,
Ergueu alto seu alto pensar:
– Pula o sangue, referve-lhe a vida
Vinde ouvir o seu rude cantar.
– Pula o sangue, referve-lhe a vida
Vinde ouvir o seu rude cantar.

Eia, sus, oh! meus bons camaradas,
Desse sono por fim despertai;
Além tendes as vossas espadas,
Eia, sus, bem depressa afiai.

Vai a terra da Pátria vencida,
Quem da luta se pode escusar?
– Pula o sangue, referve-lhe a vida
Vinde ouvir o seu rude cantar.
– Pula o sangue, referve-lhe a vida
Vinde ouvir o seu rude cantar.

Que me siga quem tem a vaidade
De ouvir balas sem nunca tremer,
Que me siga quem quer Liberdade,
Quem não teme na luta morrer.

A estranhos a Pátria vendida
Pede braços que a vão libertar.
– Pula o sangue, referve-lhe a vida
Vinde ouvir o seu rude cantar.
– Pula o sangue, referve-lhe a vida
Vinde ouvir o seu rude cantar.

Já povoam os ecos da serra
Os sons rudes do altivo clarim;
E d’envolta com os gritos da guerra
Vão em roda cantando-lhe assim:

“Eia, avante, que a Pátria agredida
Quer seus filhos na luta encontrar”.
– Pula o sangue, referve-lhe a vida
Vinde ouvir o seu rude cantar.
– Pula o sangue, referve-lhe a vida
Vinde ouvir o seu rude cantar.

Era noite, mas noite calada.
Sem estrelas no céu a luzir;
Fora noite dos santos fadada
Para a terra da Pátria remir.

“Se esta luta por nós for vencida
Pode a terra da Pátria folgar”.
– Pula o sangue, referve-lhe a vida
Vinde ouvir o seu rude cantar.
– Pula o sangue, referve-lhe a vida
Vinde ouvir o seu rude cantar.

Adeus serra, calada gigante,
Erma filha do meu Portugal;
Adeus terra que inspiras distante,
Este canto sentido e leal!

“A estranhos a Pátria vendida
Pede braços que a vão libertar”.
– Pula o sangue, referve-lhe a vida
Vinde ouvir o seu rude cantar.
– Pula o sangue, referve-lhe a vida
Vinde ouvir o seu rude cantar.

Não faltava ninguém no combate
Não faltava na luta ninguém
Só depois – já depois do embate
Rareava nas filas alguém.

Foi ação por ação decidida;
Vinde os mortos no campo contar.
– Pula o sangue, referve-me a vida
Vinde ouvir-me meu triste cantar.
– Pula o sangue referve-me a vida
Vinde ouvir-me meu triste cantar.

Era dia: nas armas luzentes
Vinha em chapa batendo-lhe o Sol;
Mas nem todos dos lá combatentes,
Viram brilho do imenso farol.

Pela terra de sangue tingida
Mais de um bravo se via rojar.
– Pula o sangue, referve-me a vida
Vinde ouvir-me meu triste cantar.
– Pula o sangue, referve-me a vida
Vinde ouvir-me meu triste cantar.

Vencedoras as quinas ficaram
Vencedoras ainda uma vez,
Mas de pranto depois as regaram
Quem lhes dera valor português.

Lá ficara uma espada esquecida
Sem que o dono a pudesse zelar.
– Pula o sangue, referve-me a vida
Vinde ouvir-me meu triste cantar.
– Pula o sangue, referve-me a vida
Vinde ouvir-me meu triste cantar.

Desabando do topo da serra,
Lá deixara o fiel arcabuz:
De pequeno criado na guerra,
Viu na guerra extinguir-se-lhe a Luz.

Vira a terra da Pátria agredida
Ergueu alto o seu alto pensar.
– Pula o sangue, referve-me a vida
Vinde ouvir-me meu triste cantar.
– Pula o sangue, referve-me a vida
Vinde ouvir-me meu triste cantar.

░░░░░░░░░░░░

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.